Quando escrevi O que aprendi participando do Brasil em Prosa fiz uma lista de contos que li e achei que poderiam estar entre os finalistas e é com orgulho que constato que a Vivi Maurey e a Frini Georgakopoulos realmente estão entre as selecionadas. Tenho bom faro e bons amigos. Aliás Thiago Lee é amigo de amigos.

Agora é a fase dois. Li os 20 finalistas e aqui vão meus comentários e suposições para os três primeiros.

Ah! Quando lerem os contos (que vocês podem ler direto no site da Amazon sem instalar nada em seu computador), lembrem-se de ir nas páginas dos contos linkadas aqui para deixar suas estrelinhas e comentários.

Conforme for lendo vou atualizando esse post, portanto estão na ordem da minha leitura. Ah! Sem spoilers.

  1. Entre duas gotas de chuva, de Viviane Maurey: O jogo de faz de conta que mãe e filha jogam com as pessoas ao redor nos faz refletir sobre nossos preconceitos, mas também sobre como fugimos da nossa própria realidade interior. Está entre os meus favoritos.
  2. Bem aqui, de Frini Georgakopoulos: Um romance simples e singelo, quase bobo, mas bem escrito, quase um poema. O concurso tinha pilhas de romances, mas esse realmente se destaca pela habilidade com que o ritmo foi conduzido e pela sutileza dos personagens.
  3. Crime futuro, de Thiago Lee: Na minha opinião o ponto forte desse conto é o controle que o autor mostrou ao construir uma história rica e completa, sem pressa, nos exíguos 6 mil caracteres que o concurso impôs. Além disso é muito bem escrito em termos literários
  4. A Arte de Morrer ou Marta Díptero Braquícero, de Bruno Ribeiro: Esse deixa claro que as obras literárias também tiveram espaço no concurso. Nos leva para uma realidade suja, em decomposição, mas com frases, parágrafos e conjunto lapidados com habilidade. As questões que ele desperta também merecem destaque em seu realismo cru. Pode-se encontrar um viés preconceituoso, mas duvido que se trate disso de fato pois forma-se um laço de cumplicidade entre os personagens e o leitor. Até aqui é meu favorito para primeiro lugar. (3º)
  5. A Biblioteca do Mediterrâneo, de Gabriela Bazan Pedrão: Parece uma colcha de retalhos de referências a obras com bibliotecas fantásticas, mas o estilo não é erudito, pelo contrário, segue a fórmula pop a tal ponto me me desagradou no início, mas sabe conduzir a um final que me fez sorrir e pensar nas bibliotecas do do século XXI com outros olhos.
  6. Carvão Sobre Papel, de Márcio M. Rodrigues: Tenho um segundo favorito para primeiro lugar. É fácil subestimar o conto nos primeiros parágrafos, mas ele é como uma bola de neve crescendo enquanto traça uma história de criação e consequências. Até os chatos como eu, que gostam de textos literários, devem gostar até depois da última palavra.
  7. O coelho branco, de Irka Barrios: O ritmo alucinante da narrativa é envolvente e muito adequado ao acelerado século XXI. Pode ser um pouco decepcionante para quem faz questão de finais fechados, mas os finais abertos são histórias que continuam ecoando em nossa imaginação. O estilo é quase pop em vez de literário, mas tem uma qualidade que achei acima da média. (2º)
  8. Doses de orgulho e vergonha, de T. K. Pereira: O protagonista bebe com um amigo enquanto vamos observando seus pensamentos despencando por sua mente cada vez mais embriagada. O autor usa uma pontuação que não me agradou para construir o efeito dos pensamentos trôpegos, entretanto o perfil do personagem é provocante. Bom para refletir sobre nossa própria moral e autoestima.
  9. Encontro Lisboeta, de Angela Marsiaj: Um pouco erudito demais em sua forma. Me incomodou. Ainda que seja coerente com a citação aos Fernandos Pessoa. Acho que o ritmo quebrado prejudica o ritmo da leitura. A história no entanto é divertida, os personagens e o ritmo muito bem montados para o espaço apertado que o concurso impôs. Leitura boa para exercitar a mente literária.
  10. Enfim Clarice, de Giulia Gambassi: Achei a leitura um pouco confusa e a última parte perdeu um pouco do ritmo poético das duas primeiras, mas me senti moralmente obrigado a dar 5 estrelas pelo valor humano, pela delicadeza como vamos sendo apresentados a Clarice e, no final das contas, é um texto rico em delicados rococós literários.
    É uma história sobre a busca de identidade.
  11. Genética, de Eduardo Villela: Crônica de humor irônico em um mundo bem possível, mas não há um fechamento que equilibre o conteúdo. Não se trata de terminar a história, mas de dar conclusão à ironia.
  12. O lugar mais feliz da Terra, de Pedro Miller: É necessário dar um desconto para os contos escritos para o Brasil em Prosa: 6 mil caracteres é pouca coisa. No entanto houve quem conseguisse desenvolver bem a história e a conclusão.
    Gostei da ideia e do protagonista, mas achei o texto confuso onde está representado o que o protagonista pensa e a conclusão poderia fechar melhor com o conteúdo.
  13. O menino, a praça e o tempo, de Lúcio H. Saretta: Que coragem! O conto, curtíssimo, tem duas fases, narrado com duas vozes que se alternam em algum ponto quase sem que o leitor note. É uma história sobre transição que se atreve a fazer isso correndo o risco de ser penalizada por falhar em seguir as normas da língua.
  14. 1906, de Ion Constantinescu: O máximo que se poderia criticar nesse conto seria um deslize aqui ou ali no vernáculo do início do século passado, posto que é escrito como se fosse produzido por um vivente daqueles tempos já distantes. No entanto, não reúno as qualificações necessárias para julgar isso.
    Para alcançar a gargalhada citada mais acima é necessário conhecer um pouco da história do Rio, dos acidentes geográficos devorados (por acidente ou de propósito) pelo progresso. Também é desejável saber das construções imponentes de outrora desconstruídas nos jogos políticos e sociais do último século.
    Quem gostou de ler esse comentário deve gostar do conto hehehe.
  15. Port-au-Prince Amazônia, de Diego Farias:? Aborda duas questões importantes nesse início de século, êxodos e encontro de culturas. O estilo é fluido e a estrutura iniciando em um flashback é agradável. Termina um pouco abruptamente (pouca gente conseguiu lidar bem com o limite de 6 mil caracteres) e senti falta de um pouco mais de profundidade no protagonista (também dificultado pela restrição de tamanho).
  16. Reminiscências, de Ana Cláudia Martins: Uma das belezas do texto literário é dizer “sua vida não terá mais graça sem mim” em seis mil caracteres desenhando cenas, memórias, sabores, sensações, emoções (são duas coisas bem diferentes). Talvez o conto tenha um parágrafo ou dois que se enrolam quebrando um pouco o ritmo, mas a leitura é quase libertadora para quem já perdeu um amor injustamente.
  17. Sombras, de Eduardo Sabino: O uso das sombras no início e no fim é poético.
    É bem escrito em um estilo comercial, mas com uma estrutura literária que torna a leitura ao mesmo tempo fluida e instigante.
    O #BrasilEmProsa impôs um espaço muito restrito que dificulta a construção mais profunda dos personagens.
    Só não gostei muito da estrutura em mosaico de cenas ainda que elas se conectem. (1º)
    O tema religião x pensamento livre é propício e necessário (compartilho da opinião do autor), mas ficou um pouco didático.
  18. Sonífera Ilha, de André Timm: O texto literário é conduzido com precisão construindo um clima denso e envolvente nos conduzindo ao título. Agrada justamente por isso, mas achei estranho que a situação tenha ocorrido justamente ali pela primeira vez. O conto descreve um momento.
  19. Últimos minutos, de Camila Moreira : Um dos contos mais equilibrados entre estilo, narrativa e conclusão. Com sutileza consegue montar personagens sólidos. A história em si não tem nada de muito diferente, mas merece destaque por se colocar com precisão dentro do estilo.
  20. O Verão, de Alfredo Nugent Setubal: É preciso ler com atenção. Cheguei a achar muito ruim até que os vários fios começaram a se entrelaçar formando uma rede de interpretações para o texto. Pode ser o melhor dos finalistas ou é apenas uma dessas construções metafóricas tão abertas que vemos o que não está lá.
    É pesado. Seja qual for a interpretação é uma história de coisas que vão e não voltam mais, das vidas que vamos perdendo conforme vamos vivendo sucessivos verões, outonos e invernos, mas sem primaveras.

Minhas escolhas

Me sinto impelido a dividir em dois grupos: um literário e outro de consumo.

Antes vamos definir os dois grupos, certo? Já falei nisso quando escrevi sobre como classifico os textos pop e literários (ou eruditos) e expliquei que coloco os dois na mesma escala, ou seja, um texto pop é no máximo oito e o nove e dez ficam para o literário. Mas essa é uma classificação pessoal.

Em termos práticos considero dois tipos de literatura: um feito para ser lido com fluidez e o outro para ser milimetricamente desfiado, desembaralhado, esmiuçado pelo leitor.

Tendo isso em mente eu ficaria com os seguintes para disputar os três primeiros lugares:

  • Carvão sobre papel
  • A Arte de Morrer ou Marta Díptero Braquícero
  • O coelho branco
  • O Verão
  • Últimos minutos
  • Reminiscências

Gostaria de colocar Entre duas gotas de chuva na lista ao lado do Últimos Minutos, mas desconfio que o meu julgamento pode estar influenciado por saber que Viviane Maurey é uma escritora eclética e amiga pessoal.

É claro, ainda, que essa é a minha opinião e que sou apenas um leitor voraz e eclético que vai de Machado de Assis, Antônio Torres e Shakespeare até John Green e Veronica Roth e não uma autoridade em literatura. Todos os vinte finalistas tem grandes qualidades e podem conquistar os três primeiros lugares.

Marquei os três premiados colocando ao colocação entre parênteses no final da minha nano resenha.