Gosto de escrever crônicas, mas de tempos em tempos aqui é um espaço típico de blog onde faço “meu querido diário”, mas, claro, filosofar é um ato compulsivo para mim :-)

Adoro viajar, normalmente somos apenas eu e minha esposa, mas mergulhar no convívio de grupos é uma delícia para quem acha que a vida, com todos seus prazeres e dificuldades, é uma rara especiaria que deve ser provada com rituais.

Faz tempo que só viajamos a trabalho e raramente paramos para desconectar nossas mentes dos trabalhos e responsabilidades cotidianas.

Estamos há três dias entre Nova Friburgo, Lumiar e São Pedro da Serra.

Temos uma antiga história com São Pedro.

Íamos muito lá há mais de vinte anos. Era uma cidade minúscula, longe da civilização onde se podia passar umas boas horas de prosa com o mítico Tio Milton, dono de um horto que mais parecia uma outra dimensão habitada por elfos, fadas e duendes.

Tanta coisa mudou aqui na Serra.

São dois universos vividos em poucos dias, um o convívio próximo com mais sete amigos que vemos sempre online (afinal amizade boa não cabe apenas offline, e desde a década de 90 as estendemos para o ciberespaço), mas com quem ainda não tínhamos viajado. Outro universo é o contato com o povo de terras onde a vida certamente gira em uma velocidade diferente das grandes cidades.

Os dois são fascinantes.

Com os amigos a gente experimenta a vida por outros olhos, a gente brinca, a gente aprende sobre o equilíbrio entre nossos desejos e necessidades e os desejos e necessidades do grupo. Todo mundo devia, pelo menos de vez em quando, viver coletivamente. Há horas que penso que as pequenas famílias que caracterizaram o século XX, quando os amigos eram poucos e as grandes reuniões só aconteciam no natal e no ano novo, são a origem do individualismo moderno que tanto nos incomoda.

Aliás tenho sorte de viver nesse universo sem ter que viajar graças aos grupos que se formam online em torno de interesses comuns e acabam se reunindo offline para criar juntos ou reproduzir as fogueiras tribais em sua versão moderna em torno de bares.

Voltando ao universo das culturas diferentes das nossas separadas por poucas dezenas de quilômetros.

Desde que chegamos a Nova Friburgo, uma cidade ainda traumatizada depois da catástrofe natural que destruiu boa parte dela há seis meses o que mais me chamou a atenção é a trilha sonora comum a quase todos os lugares: músicas da década de 80 ou 90.
Isso rege o ritimo das comunidades aqui. É como viajar no tempo. Vive-se em um outro ritmo.

Não é que aqui as pessoas estejam à parte da revolução das tecnologias de comunicação ou que a cibercultura não tenha chegado aqui, mas há algo que não vou me arriscar a descrever pois é um erro achar que entendeu uma cultura depois de passar rapidamente entre ela.

Os efeitos da hiperconectividade estão por aqui em toda parte. É como se o povo dos grandes centros tivesse uma limitação cognitiva produzida pelo excesso de informação e não tivessem a mesma capacidade de manter em suas mentes a cultura mais antiga, essencial para construir a cultura do futuro.

Não me surpreenderia ver novos grandes movimentos culturais surgindo daqui.

O que mais me surpreendeu foi São Pedro da Serra que era um lugar fora do espaço e do tempo normal e hoje é uma cidade mais desenvolvida que Lumiar, antes muito maior que ela.

A impressão é que Lumiar decidiu se manter como uma guardiã do modo de vida alternativo, o dito  riponga e, é inegável, é ótimo encontrar um grupo de amigos sob a varanda de um pequeno centro cultural conduzindo uma sessão de improviso musical que poderia estar acontecendo em qualquer década do século XX.

Já São Pedro da Serra é uma cidade em franca expansão com restaurantes e cafés sofisticados ou, no mínimo, bem desenvolvidos apesar de apenas recentemente o sinal de celular ter chegado lá.

Por um lado é bom ver que o povo batalhador de lá está desfrutando de mais progresso, por outro já não é mais um retiro tão eficiente para fugir dos problemas da civilização.

Será que todos os grupos humanos se tornarão hiperconectados no futuro? Se isso acontecer espero que sempre possamos contar com o povo da Serra para preservar outros ritmos de vida e o melhor da cultura que criamos nas décadas passadas pois velocidade demais nos desgoverna e falta de memória nos impede de criar prendendo-nos no ciclo vicioso da repetição.