Dois dias atrás fui lá conferir o espetáculo de dança contemporânea de duas amigas (Flávia Tápias e Renata Epifânio) que montaram coreografias para vários testemunhos onde os mais diversos tipos de pessoas respondem basicamente a esse pedido: fale-me de ti.

O espetáculo é o germe de algo maior, mas já vale a pena dar uma conferida, entretanto só está em cartaz por mais duas quintas-feiras (23 e 30/11) no Café Cultural que fica ali no Humaitá (RJ).

Poderia falar sobre os erros e acertos e vários momentos divertidos. Pensei em comentar também essa onda moderna de usar depoimentos de pessoas comuns, que parece que, se Shakespeare inventou o humano que se autoanalisa, nossa era está criando o humano que genuinamente quer aprender a se colocar no lugar do outro. Mas não vou falar sobre nada disso. Não agora.

Fiquei pensando o que eu responderia se me convidassem a falar de mim. E convenhamos, isto aqui é um blog, o tipo de lugar onde o blogueiro devia falar dele, não é?

O problema é que nunca é fácil falar de si mesmo. Não sei bem dos outros, mas no meu caso é porque não sei mesmo o que dizer.

Tem as características fáceis com peso, idade, trabalha em quê? Cor? Comida preferida, três melhores filmes da vida… Não, ai já ferrou tudo! Nunca fui capaz de fazer uma lista dos meus três melhores em nada que implique reflexão.

O mesmo se aplica a mim. Sei lá o que sou essencialmente! Ainda não terminei de ser então não sou nada, estou sendo a cada dia.

Já fui maniqueísta, católico fervoroso que se batizou aos 11 anos por opção consciente, esotérico, místico, pagão. Cético. Sempre fui cético; o tempo todo! Fui tímido, descolado, também já fui chato de tão expansivo. De vez em quando sou tudo isso de novo não necessariamente nessa ordem.

Dizem que sou culto. Balela! Só falam isso de mim porque ninguém mais é culto hoje em dia então o culto fotocópia – aquele que foi colhendo fragmentos de conhecimento de um artigo aqui ou de um programa da Discovery ali – toma ares de filósofo. Aqui é vital dizer que não li Hobbes, nem Rousseau, ou Kant e nem mesmo Locke. Formado no seio da classe média dos tempos da ditadura fui tardiamente apresentado a Machado de Assis, Cruz e Sousa e nunca cheguei a ler os grandes da literatura mundial. Minha esposa, que teve a sorte de nascer numa família mais revolucionária, lia Vinícius aos 5 anos e é 10 vezes mais culta que eu.
Apesar de tudo isso tento recuperar o tempo perdido, me esforço para olhar para o lado com os olhos de quem está ali no meio da ação e não com os meus. Até o Leviatã de Hobbes (capaz de assustar qualquer um que adore a liberdade de expressão) eu procuro olhar através do monóculo de um tutor da nobreza no século XVI a ponto de simpatizar com o velho Thomas.

Seria mais fácil dizer apenas que sou um quarentão dedicado a perder as gordurinhas da barriga e juntar algumas na conta-corrente sem deixar de se divertir do jeito que sabe.