Vamos lá!

Em primeiro lugar pode ler o post pois não conterá spoilers.

Se você caiu aqui provavelmente já sabe do que se trata, mas vamos resumir para quem buscou somente por algo tipo “romance policial erótico”.

A série Mortal de J.D. Robb é uma das séries de romances policiais futuristas com um tempero erótico (pelo menos nesse primeiro livro) mais vendidas do mundo. São setenta volumes, esse e suas 69 continuações até agora.

J.D. Robb, a propósito, é um dos pseudônimos de Nora Roberts, autora já best seller quando iniciou essa série em meados da década de 90 do século passado (o século XX), e acho esse detalhe importante: ela já era uma escritora de sucesso e tinha quase 50 anos ao iniciar a série. Siga em frente que já explico por que acho isso relevante.

A tradução para o português de todos (ou quase todos, não tenho certeza) é de Renato Motta, um dos melhores tradutores que já li e isso tem importância.

O tipo de história não é bem o meu tipo (e não sou bem o público alvo), mas decidi ler Nudez Mortal (compre na Amazon) para desenvolver empatia pelo público que gosta, para tentar me colocar no lugar. Dificilmente lerei os outros.

Se você não é público alvo e decidir ler como eu fiz então é importante saber que ele foi publicado em 1995, é uma história “para mulheres” (de acordo com aqueles estereótipos que são tão discutidos atualmente) e foi escrito para entreter.

Mesmo sabendo disso tive uma certa dificuldade, principalmente em um ponto que ficou muito datado: o estereótipo de homem e relacionamento ideal.

Chega a ter uma sequência no livro que vários leitores ou leitoras verão como um estupro, mas na história é um ato romântico em que o homem dobra a força da mulher libertando-a para ser frágil, para ser controlada por um homem. Foi uma cena muito difícil para mim.

No entanto volto aqui à geração a que a autora pertence, ela nasceu em 1950. Além disso, convenhamos, grande parte dos romances retratados no cinema, na literatura e na TV até as décadas de 80 e 90 são relacionamentos abusivos (no cinema sempre lembro de “Uma Linda Mulher”).

Os fãs de scifi também podem estranhar pois o futurismo da história, ainda que publicada há 22 anos, tem um sabor de scifi dos anos 60 ou 70 (mas sem as visões disruptivas características daquelas décadas). Ou seja, apesar de futurista, não deve conquistar muitos fãs de scifi.

Apesar disso…

Bem, primeiramente, é uma questão de lembrar que não sou o público alvo, certo?

Além disso, muito embora possa soar machista em muitos aspectos, a história está repleta de posições contrárias à estereotipação do feminino e do masculino. Traz críticas ao falso moralismo, considerações sobre a legalização da prostituição e o controle de armas de fogo.

Eu diria que a própria questão do relacionamento romântico ser retratado como um relacionamento abusivo em que o homem claramente se sente atraído pelo desafio de dobrar a vontade de uma mulher forte à vontade dele, é uma boa oportunidade de reflexão. Vi nas entrelinhas, ou até mais explicitamente que isso, uma certa percepção de que se trata de sentimentos no limiar. Deve ser interessante ver como isso se desenvolve nos 69 livros seguintes.

Existe todo um estereótipo do leitor dessa classe de literatura também. Seriam mulheres que se enquadram no perfil definido para elas pela sociedade machista.

No entanto desconfio que o sucesso da série pode até ser um sinal de que, também esse estereótipo, está se desfazendo.

Não posso afirmar categoricamente porque pode ser que essa série não seja diferente das outras desse estilo, mas é de certa forma tranquilizador ver que, mesmo em obras estereotipadas, encontramos esses questionamentos.