A série é boa, mas antes: pode seguir sem receio de spoilers.
Então… Você pode aproveitar muito cada episódio acompanhando atuações de boas a ótimas, direção, fotografia e roteiro bem feitos e uma história que prende a atenção. Gostei de ter visto a série e recomendo mesmo assistir.
É a primeira vez que vejo uma série voltada para grande público usando como temática o nosso folclore. Pelo menos nesse século, afinal não podemos esquecer de O Sítio do Pica-Pau Amarelo, né?
Aliás nota-se que a série, de um certo ponto de vista, é um Sítio versão sombria já que é da mitologia de Monteiro Lobato que ela parece se alimentar mais.
Outros personagens mitológicos passaram por uma releitura mais original ou vinda de alguma fonte que não reconheci e o resultado é uma obra envolvente e instigante.
Não é à toa que a maioria dos comentários que vi são positivos.
Você tá sentindo um “mas…” vindo, né? Olha; não é bem um “mas…”, é uma questão de escolha, suponho.
Vários temas contemporâneos e importantes são percebidos de forma mais ou menos clara como preservação do meio ambiente, injustiça social e exclusão de partes discriminadas da sociedade, entretanto, suponho que para evitar polêmicas e para ser mais “adequado para adolescentes” (afinal adolescentes hoje são bem capazes de lidar com questões socais e de gênero complexas) tudo acaba sendo deixado meio no fundo da trama, abordado muito superficialmente.
Quando começamos a analisar por esse viés começamos a questionar também se daria muito trabalho pesquisar um pouco mais cada entidade citada na série deixando alguns eastern eggs pelo menos para citar suas origens indígenas, deixar ganchos para reflexões mais profundas, modernizar os mitos para formas mais contemporâneas. Acabou ficando meio… infantil. O que se nota mais claramente na trama ambiental que nos remete às dos anos 80 do século passado.
Vi reclamações de quem se mobiliza pela cultura dos povos originais e suponho que tenha reclamações também de quem se preocupa com as questões sociais e ambientais e realmente poderíamos ter uma série muito mais marcante e útil se fossem feitos mais esforços nesses sentidos.
Um exemplo: Você sabia que o mito do Saci Pererê é um tipo de sincretismo de uma entidade Guarani e outra vinda com os povos africanos? Isso é citado em diversas fontes como a Wikipedia, mas apenas no Hypeness achei uma pesquisa sobre o Saci dos povos originais, Jaxy Jeterê.
Pode ficar a impressão que sequer existiu a preocupação de pesquisar ou que os criadores do argumento ou história tem uma visão infantil dessas questões, mas duvido dessa hipótese e apostaria que foi opção consciente que, na minha opinião, foi equivocada: a sociedade não só está pronta como precisa muito de tramas mais adultas e bem pesquisadas.
Levar um folclorista, alguém que estude as culturas originais e uma pessoa socióloga não deve ser caro e traria muito mais riqueza à história.
Com isso não quero dizer de forma alguma que foi ruim, que não é recomendável, acho que pode ser uma ótima abertura de filão e que outras obras mais ricas podem vir em seguida.
Tem gente bem qualificada para isso como Felipe Castilho, da série literária Legado Folclórico, Andriolli Costa do podcast Poranduba só para citar alguns que me lembro sem ter que pensar.
Imagem: Material Promocional da Netflix – Link para a série.