– Daí eu morri, né?
– Morreu??? Como assim? Você não parece nada morta!
– Mas morri… pacotei, mesmo! Do tipo que apodrece mesmo!
– Argh! Que nojo!
– Nojo nada! todo mundo vai chegar aqui onde estou!
– Mas já falei que você não parece nada morta!
– Para você ver como a gente anda podre em vida… Você nem tá notando a diferença… Mas vai notar se a gente passar muito mais tempo esperando esse ônibus…
– Olha, na terça a gente passou um tempão conversando, hoje é quinta… não, hoje é sexta. Você não acha que alguém teria me avisado se você tivesse morri… quando você morreu?
– Logo depois que a gente se encontrou, acho que você foi o último a me ver vivinha… Tanto assaltante na rua para matar a gente e eu fui morta por um ônibus… Poderia pelo menos ter sido um avião caindo em cima, né?
– Sei… E depois que você foi atropelada, como foi que você trocou de roupa e… Espera! Fala sério, não acredito que estou entrando na sua onda!!! Quer fazer o favor de me explicar logo que viagem é essa?
– Viagem nenhuma fofinho! Eu morri, todo mundo morre, por que é tão difícil então acreditar que eu morri? Se eu estivesse dizendo que estava voltando de Vênus agora… Afinal acho que ninguém fica indo a Vênus hoje em dia, mas estou te dizendo que aconteceu comigo o que acontece com todo mundo, ué!
– Ahhh! Simmmmm!!! E todo mundo fica falando com fantasma na rua como estou fazendo agora, né?
– Bem, os espíritas não dizem que falam? E os crentes não avisam que tem espírito para toda parte tentando a gente? Então, virei um espírito tentador! Hihihihihi! Até que eu sempre fui gostosinha, né?
– É… Isso é… Continua bem, viu? A minissaia e a bota com essa maquiagem escura… Tá uma gata…
– Olha… Eu sei que o ônibus demora a passar, mas não pega o próximo não, tá? Eu ia te pedir para ir comigo, mas… Sei lá… Bateu uma dorzinha aqui no peito e acho que eu tenho que ficar sozinha mesmo… A gente tá de lados bem diferentes agora… Não seria justo…
– Não tô entendendo…
– É que o próximo ônibus tá sendo dirigido pelo filho-da-puta que me atropelou, eu vou pegar o ônibus dele e… bem ele não vai atropelar mais ninguém…
– Pera ai! E se tiver mais alguém no ônibus? Você não pode… Haha! Lá vou eu de novo na sua onda! Eu lembro que você fez teatro, viu? Sei que você é bem capaz de estar representando! Tá ótimo! Hehe… Olha o ônibus vindo lá!
O 154 vem balançando e soltando estalos como um velho galeão espanhol repleto de espíritos dos escravos escravizados que morreram em seus porões. O homem faz sinal, mas seus olhos encontram os olhos esbugalhados e apavorados do motorista que pisa fundo no acelerador e passa direto.
Quando ele se vira para a amiga ela já não está lá e a incrível realidade o toma de assalto quando ele escuta o barulho ensurdecedor do ônibus e suas ferragens se destroçando no viaduto logo em frente…
vixe! :O)
adorei a ideia e a criatividade!
Sabe Renata, eu tenho esta imaginação febril que faz os mundos mais estapafúrdios passarem sob meus olhos como se fossem reais… Se não coloco para fora fico me sentindo meio tirano por prender os devaneios, saca?
Tem uma série de posts do Gato de Botas (aliás de sapatilhas pq De Botas já estava sob propriedade intelectual da Disney Heheheh) que eu adoro e são ainda mais alucinados. Qq dia transformo em livro.