Tenho muitos amigos assustados com os riscos dos alimentos transgênicos, mas desconfio que pelos motivos errados.

Hoje mesmo recebi mais um artigo falando que DNA de alimentos transgênicos pode ir para nossa corrente sanguínea. Em um determinado momento associa os transgênicos a irritações estomacais em cães.

Antes de mais nada quero deixar dois pontos, digo, três bem claros:

  1. A Monsanto é, no mínimo, suspeita. Não digo mais por não ter provas e nem espaço no momento para discorrer sobre o assunto
  2. Alimentos transgênicos representam sim alguns riscos sérios
  3. Ah! Sou um apaixonado por ciência, não um especialista na área

Dito isso o que tenho visto é que, como o ensino de ciência no mundo é muito deficiente, as pessoas olham para certas tecnologias, como os transgênicos, como se fossem um tipo de magia e, portanto, imprevisível e até maligna por essência.

Recomendo fortemente a leitura do artigo (em inglês) A verdade sobre comida geneticamente modificada da edição de setembro de 2013 da Scientific American. É um dos mais completos e acessíveis que já li. São várias páginas, certo? Clique na próxima ao final de cada uma.

Eu vejo um grande problema na mobilização contra os transgênicos: ela está focada na coisa errada.

Já vou falar sobre transgênico, por ora vamos só definir dois termos, certo? Transgênicos são organismos produzidos com informação genética de espécies diferentes e cisgênicos são combinações entre a mesma espécie.

Os problemas que tenho visto nos transgênicos são os seguintes:

  • Empresas como a Monsanto podem monopolizar um organismo e os agricultores serão obrigados a pagar para poder manter suas fazendas
  • Plantações do mesmo organismo transgênico (ou cisgênico) podem ser vulneráveis a uma mesma praga que extermine aquele organismo: imagine que toda a soja do planeta seja extinta por um fungo
  • Variação genética é importante no processo evolutivo e a comercialização em massa de organismos geneticamente similares (muitos alimentos geneticamente modificados são literalmente clones de um mesmo organismo) pode colocar esse processo em risco
  • Um organismo transgênico pode se misturar a outros da mesma espécie destruindo a variação genética (é uma variação do item acima)
  • Um erro pode produzir um alimento tóxico

Esse último é bem discutível, viu? Primeiro que é difícil cometer um erro assim, segundo que é difícil não notar e terceiro é que não precisa ser um cruzamento artificial para haver o risco de surgir uma mutação tóxica.

Todos esses problemas são abordados aqui ou ali pelos críticos dos transgênicos, mas o foco constante parece ser “Manipulação genética cria seres monstruosos” ou eufemismos disso.

O problema é que isso provavelmente está errado e quem ganha é quem realmente faz mal uso dos transgênicos e fica com adversários fáceis a desbancar.

Veja bem, os cruzamentos cisgênicos não são novidade (óbvio, né? É assim que tudo no planeta se reproduz) e nem os transgênicos.

A gente mal tinha entrado na década de 80 do século passado quando li o primeiro artigo falando em algum processo de transmissão de informação genética entre, por exemplo, gatos e e humanos, ou seja, entre organismos que vivem fisicamente próximos.

Já li artigos sérios que citam a agregação de código genético de vírus de doenças que contraímos.

Esses processos ainda não estão plenamente compreendidos, mas já faz tempo que percebemos que ocorrem naturalmente.

A reclamação mais comum é que os cientistas dizem que os alimentos transgênicos não precisam ser exaustivamente testados em animais e em pequenos grupos de humanos antes de serem liberados para o consumo, no entanto, se observamos o que é a manipulação genética percebemos que realmente não há necessidade de tantos testes.

Vamos aos porcos que brilham no escuro, certo? Eles são cruzamentos transgênicos com águas marinhas bioluminescentes. Nós temos conhecimento suficiente para para identificar o segmento do DNA delas que gera a bioluminescência e inseri-lo nos porquinhos.

O mesmo vale para os transgênicos: pegamos apenas o trecho que nos dá a característica desejada e aplicamos ao organismo que queremos modificar.

Podemos fazer coisas como um arroz rico em nutrientes que faltem em regiões mais pobres, milho que exala uma fragrância que afasta pragas e até vacas que produzam leite humano.

O produto resultante pode ser analisado quimicamente para localizar agentes tóxicos e descartados sem necessidade de testar sequer em animais, imagino que sejam feitos testes in vitro em alguns casos, mas realmente não há muitos motivos para temer uma ação sobrenatural do organismo geneticamente modificado.

Esse tipo de organismo não é radioativo nem nada (aliás qualquer dia tenho que falar nas fruta irradiadas para durar mais…) que justifique seu DNA modificar o nosso.

Essa miscigenação genética já é normal diariamente e ter um pouco de DNA de outro organismo circulando em nosso sangue, por exemplo, a princípio não representa qualquer risco.

Naturalmente é necessário fazer pesquisas em animais humanos ou não, entretanto não há mesmo razão até o momento para temer que um organismo geneticamente modificado tenha qualquer efeito diferente daquele produzido por organismos que não foram geneticamente modificados… Bem, por nós em laboratório já que modificação genética acontece o tempo todo na natureza de forma aleatória.

Espere ai! Você está pensando que eu não falei dos agrotóxicos e isso é um problema seríssimo!

Você tem razão, mas não considero isso um problema transgênico.

A única ligação disso com o transgênico é a seguinte: a Monsanto já gastou uma fortuna criando organismos cisgênicos ou transgênicos resistentes a agrotóxicos. O negócio dela (até a última vez que olhei) é vender esses produtos químicos, então por que ela investiria mais milhões ou bilhões para fazer transgênicos que cresçam mais rápido, que não precisem de agrotóxicos, que sejam mais nutritivos, que se desenvolvam em climas novos, que resistam ao aquecimento global, que transformem CO2 em, digamos, água e carbono e por aí vai?

Quando nos colocamos cegamente contra os organismos geneticamente modificados favorecemos a Monsanto que tem a desculpa da pressão popular para não investir em organismos novos com características mais úteis. Duvido que a Monsanto queira desenvolver alimentos para a África: eles não tem como pagar o que ela quer receber. (embora ela até desenvolve algumas coisas para esses mercados).

Temos uma população que continua a crescer rapidamente (há uma expectativa de parar por volta dos 10 bilhões) e existe um problema real de produção de comida para toda essa gente. Organismos geneticamente projetados ou modificados são uma das nossas ferramentas mais promissoras e seguras para resolver uma miríade de problemas.

O que nós precisamos é entender a ciência envolvida para que possamos cobrar movimentos éticos, responsáveis e direcionados a áreas de necessidade humana e não meramente em mercados que podem maximizar os lucros.

Atualizando em janeiro de 2019:

A grande dica é: coma legumes, frutas, verduras. Não faz tanta diferença como foram produzidas

Hoje (2019) percebo que um grande monstro vinha crescendo entre nós: a perplexidade assustada diante do rápido avanço da tecnologia e da ciência porque temos falhado em torná-las compreensíveis para a população em geral.

Imagem: the Guardian – Comidas assustadoras em filmes