Sobre o Um Sábado, Um Conto

O Conto

Jô e Rick estão subindo no elevador. Eles Foram comprar mais cerveja para a noite. Lá em cima, no apartamento da Carla, dez amigos esperam por eles jogando Destiny, conversando sobre séries e filmes.

É bom ter trinta e poucos anos no século XXI: ter dinheiro e liberdade para ser jovem.

– Tô te falando Rick! A Alisson é uns quatro anos mais velha que a Sarah que é uns seis anos mais velha que a Cosima, é claro! Vê o tipo de vida de cada uma! Você acha que a Cosima tem mais de 24? Claro que não! Já a Sarah deve ter uns 30 e a Alisson uns 34, afinal é até a provedora de grana do grupo.

– E a original tem quantos anos para você? 75? Elas teriam que ter sido clonadas ainda na década de 80, não dá, né?

– Ah! É! Porque scifi super se preocupa com o que dava ou não dava no século passado! Hahahaha!

A porta do elevador se abre e um vento gelado entra tão forte que lhes provoca um arrepio. O Rick até se desequilibra e dá um passo atrás. Nenhum dos dois sai do elevador, se entreolham meio desconcertados como quem se sente bobo por achar que tem algo… estranho acontecendo. Os dois percebem e dão uma risada. A Jô segura a porta enquanto sai e continua segurando para o Rick passar, no entanto o vento frio continua.

– Tá estranho esse vento, né Jô?

– É…

A porta do apê da Carla é bem em frente ao elevador, eles deixam as cervejas na porta, tocam a campainha, alguém grita lá de dentro “chegou o combustível!”.

Eles seguem juntos pelo corredor no sentido contrário ao do vento até o segundo apartamento. É como se o vento atravessasse a porta. Uma luz absurdamente intensa passa pelas frestas e até o olho mágico parece uma lanterna de led.

A Jô é a primeira a falar, rindo como quem fez uma piada sem graça.

– Engraçado, né? Parece que o vento atravessa mesmo a porta…

Ela estica a mão instintivamente para sentir o vento atravessando, mas assim que encosta na porta o vento e a luz desaparecem.

– O que vocês dois estão fazendo aí na porta do vizinho? – A Carla está abraçada nas doze garrafas de cerveja que os dois levaram.

– Quem mora aqui, Carla? – Os dois perguntam em coro.

– Um casal de uns 50 e tantos anos… Não sei nada sobre eles. Acho que ele é algum tipo de executivo e ela é médica… dermatologista. Pelo jeito que se vestem, sabe? Por quê?

– Rick, a porta tá aberta!

Jô empurra a porta e, antes que eles possam pensar os dois estão entrando no apartamento que está totalmente escuro.

Lá atrás ao fundo eles ouvem a Carla falando com algum dos amigos “Coloca no congelador, eu já volto…”

Os olhos dos dois vão se adaptando lentamente à luz fraca do corredor refletindo dentro do apartamento que é totalmente normal, mas não tem ninguém.

Como poderia ter uma luz ali antes? Rick experimenta os interruptores e nada. Sem luz. Eles pisam em vidro e percebem que as lâmpadas, todas elas, estouraram. Um pico de energia? Mas num único apartamento?

Eles escutam um sussurro nervoso vindo de trás deles. É a Carla na porta do apartamento.

– Vocês estão malucos? Sai daí! Eles devem estar em casa tentando dormir!

Rick vai falar com ela, mas a Jô entra pelo corredor procurando o quarto do casal. Ela não sabe por que está fazendo isso, simplesmente é como se ela fosse sugada… Como num Silent Hill em que você sabe que não devia estar se metendo ali, mas não tem alternativa porque os seus cabelos arrepiados te puxam naquela direção.

– Jô!!! Jô!! – Agora são os dois amigos chamando, mas na verdade eles também se sentem puxados pela mesma curiosidade. Ruídos no corredor… Os outros amigos estão a caminho curiosos.

Rick e Carla entram a passos largos atrás da amiga, antes que ela acorde os vizinhos, mas a Jô já está voltando, pé ante pé, de costas, sem tirar os olhos do quarto à frente.

– Gente… Alguém arranja uma lanterna… É tipo… Tá escuro no meio do escuro…

– Hein? Jô? Escuro no meio do escuro?

Carla está pegando o celular para ligar a luz do flash, meio nervosamente e entrega o celular filmando com a luz acesa para a Jô que vai levantando aos poucos apontando para o quarto em frente enquanto caminha lentamente para dentro.

O que ela vê parece uma cortina preta balançando ao vento… Mas não está na janela e sim no meio do quarto, no pé da cama… Um tipo de mosquiteiro? Mas é um tecido desfiado e cheio de pontas…. Uma estátua? No meio do quarto? Os 11 amigos se acumulam atrás da Jô que olha para os lados pensando em como eles todos podem correr dali sem tropeçar uns nos outros.

Eles precisam olhar por alguns segundos para entender o que estão vendo.
Uma cama com duas pessoas sobre ela. No pé da cama a estátua de um anjo com as asas abertas e vestido com uma túnica tremulante negra como as profundezas do Universo.

A luz do celular pisca por uma fração de segundo, isso não devia acontecer, e a estátua não está mais lá…

Nem todos os amigos tinham uma visão clara do que estava acontecendo, mas os que estavam mais próximos seguraram a Jô dizendo “Vamos dar o fora daqui!”, “Que porra é essa??”, “Vem!!”

Ela, Rick, Carla, Jorge e Mário estão na linha de frente. A Bianca que estava mais afastada corre para a casa da Carla atrás de uma lanterna que ela sabe que fica na gaveta da cozinha. O Júlio pega o celular se preparando para ligar para o 190, afinal como podem duas pessoas estarem dormindo com 12 estranhos fazendo barulho dentro da casa deles? E que sombra foi aquela que ele viu?

– A gente tem que ver se eles estão bem… – A voz da Carla treme. – Mais celulares! Gente? Alguém pega a lanterna na gaveta da minha cozinha! – Ronaldo vai e encontra com a Bianca voltando já com a lanterna acesa.
Os 12 se reúnem em torno da cama. As pernas de uns tremendo, outros pensando em como está errado o que eles estão fazendo, aliás, o que eles estão fazendo??

Seis celulares estão acesos iluminando a cama. Apenas o homem está deitado… Ou o que deve ter sido um homem pois ele está… Seco. Não tanto quanto uma múmia. Sua pele parece ressecada pelo sol. Todos se sentem enjoados. Júlio aperta send no celular para ligar para o 190.

O grupo perplexo escuta a voz calma dele ao celular “Isso, o endereço é esse… A porta estava aberta, ficamos preocupados… É… Bem… É muito estranho, mas acho que o vizinho deve estar morto há dias. Não… Não… Acho que a polícia é melhor… Tá, vou chamar socorro médico também… Qual é o número mesmo? Obrigado”

Júlio é o tipo de pessoa que não perde o controle, mas estão todos surpresos. Vai ver ele encarnou algum personagem de game.

– Vamos lá para casa gente… Vocês todos viram… Vamos lá para casa. Agora!

Carla vai empurrando os amigos. Ninguém tem coragem de virar as costas para o quarto e vão caminhando de costas.

No apartamento da Carla o game emite uma melodia um pouco melancólica esperando comandos, um tablet ligado a uma caixa de som toca a seleção de festa que algum deles fez e todos se espalham nos sofás e almofadas ao redor da mesa de centro.

– Carla, o que você foi fazer lá para início de conversa? – O Júlio continua no personagem

– Fui atrás da Jô e do Rick…

Todos olham para os dois.

– Tá – Começa a Jô – Vou recapitular tudo que eu vi. Rick, você estava do meu lado o tempo quase todo, me corrige, tá? Então. A gente saiu do elevador e estava um vento super gelado. Não sei por que a gente decidiu ver de onde ele vinha…

– Antes a gente tocou a campainha e deixou a cerveja na porta. – O Rick acha melhor esclarecer isso.

– E eu abri e vi os dois já na porta do vizinho – Completa a Carla

– Nem te vi Carla! Eu só conseguia olhar para a porta dos seus vizinhos e pro Rick. Era muito estranho. Como se o vento frio atravessasse a porta, e tinha a luz…

O Rick continua…

– Absurdamente forte. Até o olho mágico parecia uma lanterna! É como se tivesse um painel de luzes logo do outro lado da porta. Devia estar quente e não frio. E aí tudo apagou!

– Foi quanto eu encostei na porta Rick. Apagou tudo e eu percebi que estava aberta. O vento parou também. E a gente entrou.

– E eu deixei as cervejas com o Bruno e fui ver o que eles dois estavam fazendo.

– Quando a gente entrou eu testei as luzes. Logo depois ouvi barulho de vidro. Era a Jô pisando nos restos das lâmpadas. Todas do apartamento estavam quebradas. Só que a gente não ouviu nenhum barulho quando elas se apagaram.

– Nenhum… Pelo contrário, teve aquele silêncio meio profundo já que o vento parou.

– Aí você foi sozinha no quarto deles Jô. O que vc viu? – Carla olhava para ela atentamente buscando sinais de pavor. Não achou.

– Eu não fui simplesmente, tipo “Ah! Vou ali!” é como se o chão fosse inclinado para lá e me puxasse. Quando cheguei na porta vi… Bem… Estava escuro, só a luz da lua iluminava o quarto, mas tinha essa sombra sobre a cama. Fui recuando de costas… A sombra foi flutuando para o pé da cama e aí vocês foram chegando, acho.

– Não, você pediu para a gente iluminar lá e depois o pessoal chegou – Lembrou a Carla.

– É! Isso mesmo. Acho que eu estava meio tonta… Ainda estou meio tonta. Eu não vi nada de verdade lá, vi? Alguém mais viu alguma coisa?
Silêncio. Só se ouve a respiração dos amigos.

– Tem o vídeo…

Todos olham para a Carla.

– No nervoso eu não liguei só a luz do celular, coloquei para filmar e dei para a Jô.

Eles ligam o celular na TV e está tudo lá. A grande estátua como um weeping angel ou um anjo da morte ao pé da cama. O rosto plácido se vira para a câmera antes de ficar tudo escuro por um segundo e, quando a imagem volta, tem apenas a cama com uma pessoa.

– Pera! Volta o vídeo, gente! – O Bruno está com uma cerveja esquecida na mão sem beber desde que entrou no apartamento dos vizinhos.
Ninguém quer voltar e ver aquela coisa de novo.

– É sério, gente, vocês notaram que tinha duas pessoas na cama?

Eles voltam o vídeo, ninguém quer comentar o anjo da morte, mas é verdade, tem uma mulher de joelhos na cama com as mãos esticadas para a frente, pousadas sobre os joelhos. Quando a luz pisca ela some ficando apenas o vizinho morto e ressecado.

– É a sua vizinha, Carla? – O Júlio olha nervosamente para o celular querendo que a polícia chegue logo e pensando se devia ligar para um mosteiro atrás de um exorcista.

– Parece ela sim… Que louco…

– Pois bem! Vamos ao que interessa? Como eu faço para acordar desse sonho?

É o Júlio parado na porta da cozinha com um copo de refrigerante na mão. Todos olham para ele entendendo finalmente como o amigo pode estar tão calmo. Mas na verdade todos eles estão achando que estão vivendo algum tipo de fantasia ou delírio.

– Júlio… Se for um sonho é o meu sonho, não o seu… Eu conheço isso tudo. É um anjo. Ele veio pegar os dois. O cara era impuro e a esposa foi para o céu. Meus pais protestantes teriam descrito a cena sem precisar vê-la. – Essa é a Anna… Ela estava calada até agora

– Anna… Se é um sonho é o meu e não de vocês dois. Tinha um jogo que eu jogava quando era adolescente, meus pais nem gostavam. Tinha cenas assim. Só que aquilo não era um anjo, era um demônio. O cara tentou defender a mulher e foi queimado e ela foi arrastada para os domínios infernais. – Esse foi o Jorge, que adora jogos com demônios

– Anna, Júlio, Jorge a gente precisa cair na real. Não é sonho, não é delírio, é verdade. A polícia vai chegar aí, socorro médico vai chegar aí e temos que saber o que vamos dizer, o que vamos mostrar… Tenho certeza que vão dizer que a gente criou esse vídeo. Metade de nós sabe como editar um vídeo e pelo menos uns três saberiam criar algo como isso que tá aí. O que vamos fazer?

O assalto de sanidade da Carla pegou todos de surpresa, até ela mesma que até então também estava tentando se enganar. Olhos arregalados, choros com soluço, a perplexidade finalmente chegou ao grupo. A ficha caiu.
Ter bons amigos é mágico. Mesmo cada um estando à beira de um ataque de nervos todos foram buscar forças para apoiar o amigo que parecia mais arrasado enquanto os mais arrasados buscavam forças para não se sentirem um peso.

– O que a gente faz então? – Jô foi a primeira a ser chamada por… aquilo. E precisa se livrar do mistério. Ela tem que saber o que era. – Carla, você não vai dormir em casa, né? Pode ficar na casa dos meus pais, a gente inventa uma história para eles. Tenho medo de te mandar para a minha casa… Aliás não quero ir para casa… Fui a primeira a ver… A coisa, né? Vai que ela…

– Calma Jô, a coisa não tá seguindo ninguém! E ninguém vai ficar sozinho. Nós dois fomos os primeiros a entrar lá então acho que podemos ficar juntos. Todo mundo em grupos de 2 ou 4 já que somos 12 hoje. A gente pode chamar mais alguém? Seria certo envolver outros?

– Cara… Pelo menos a Juliana, o Marcos, a Carol… Tem uma galera que vai querer ficar junto e… Não vão achar que a gente enlouqueceu coletivamente! Hihihihi.

O riso nervoso da Carla estava em todos os rostos de uma forma ou de outra.

– Certo… Não estou sonhando então! – Júlio olha para um espelho e repete “Não estou sonhando então” – Nesse caso vamos nos organizar! Depois a gente se desespera hehehe… he…

– Acho que eu e o Rick temos que ficar para falar com a polícia. Fomos nós que vimos a porta aberta e vamos estar mentindo menos que vocês. Policiais tem intuição…

O Bruno levanta a mão como se estivessem em uma escola. Ele poderia ter só interrompido a Jô, mas o que ele tem a dizer é importante e todos percebem isso pelo gesto e expressão dele.

– Você está falando em ficar porque também acha que alguém precisa ir investigar por nossa conta o que está acontecendo, né? Mas quem? Como? Pelo menos a polícia não sabe quantos somos e dá para alguns de nós saírem… E ninguém pode saber que a gente filmou alguma coisa.

Anna se levanta olhando para os amigos como se fosse o rochedo de Gibraltar pronto para enfrentar ondas de um mar revolto.

– Eu vou… Quando fiz o mestrado em antropologia do medo juntei um monte de livros sobre símbolos religiosos e talvez meus pais possam dar algumas ideias… Eles já estão acostumados com as minhas perguntas e estão sempre lendo a Bíblia e livros religiosos. Vão pensar que é para o doutorado que digo há anos que vou fazer.

Bruno, que tem uma queda pela Anna é o próximo a se manifestar para ficar perto dela e protegê-la, muito embora talvez seja mais provável que a Anna o proteja, mas ele não quer pensar nisso.

– Meu celular tá com plena bateria e deve durar umas 36h pelo menos. Comprei ele por isso. Posso fazer pesquisas nele.

Jorge desliga o celular que estava carregando na parede e começa a guardar suas coisas na mochila se preparando para ir.

– Meu carro tá na porta. Eu levo vocês onde a gente tiver que ir… Primeiro a casa da Anna, né? Nós três está bom?

– Não. Tem que ser pelo menos quatro. Todos nós já vimos suficientes filmes sobrenaturais para saber que, em algum momento o grupo precisa se dividir e é melhor que sejamos pelo menos quatro. Eu vou também. – A Mari estava tão quieta que os outros tinham esquecido que ela estava lá! Ela certamente é a mais cética do grupo. Formada em filosofia e vinda de uma família também de céticos, mas isso não impediu que ela ficasse toda arrepiada.

Os quatro partem logo depois que o Júlio instala nos celulares deles um app de mensagens que as apaga logo depois de serem lidas.

– Todo o cuidado é pouco caso a polícia queira ver nossos celulares e inventar que “gente que joga videogame é maluca” – se bem que eles não estão muito certos da própria sanidade.

Enquanto o Jorge dirige para a casa da Anna os outros três vão pesquisando sites que a Anna e a Mari conhecem sobre mitos envolvendo anjos, morte e demônios.

No meio tempo a polícia chega no prédio da Carla, pouco depois dos paramédicos que realmente não tem muito o que fazer.

O Bruno recebe a mensagem do Júlio: Os paramédicos já estão achando que somos malucos. Dizem que o cara teria que estar morto há meses, talvez anos. Felizmente a Carla foi sagaz e disse que só tinha dito que ele parecia o vizinho e não que era ele. Mas para nós ela disse que são as roupas que ele estava usando mais cedo.

– Pesquisa aí meninas “maldição mumificação”…

– Hummm… Acho que não Bruno… Talvez seja melhor “punição mumificação” já que Deus não amaldiçoa, ele pune. Expiação pode ser bom também.

– Eu estava brincando!

– Pô, mas mandou bem, cara! – A Anna dá um soquinho no braço dele. – Olha isso… Tem uma antiga história de uma vila inteira na idade média que foi encontrada mumificada porque teria fornicado com os anjos… E o mito está relacionado até a Pompeia cujo vulcão teria acordado em resposta à Ira de Deus… E tem uma linha aqui falando em guerra entre anjos… Guerra entre anjos… Tenho alguma coisa sobre isso lá em casa! Vira à esquerda na próxima esquina, depois à direita e a gente estará bem nos fundos do meu prédio, no acesso para a garagem.

Eles espalham os livros sobre a mesa de jantar e mergulham nas histórias.

Alguns autores citados estão fora da biblioteca da Anna e infelizmente ainda não existem em formato digital ou eles comprariam imediatamente. Terão que ir à biblioteca nacional assim que ela abrir.

“A polícia e os paramédicos já foram. Vocês escaparam de uma boa, viu? Nós oito teremos que ir prestar depoimento… A Carla vai dormir na casa da Júlia que já tá sabendo da parada e disse que nada vai entrar em casa de wicca, mas sei não, vamos deixar mais alguém lá.”

Assim que a mensagem chega as luzes da casa começam a se reduzir, como se tivessem ligado 100 chuveiros elétricos. Somente a luz sobre a mesa permanece firme e até mais clara.

“Acho que está acontecendo aqui…” é tudo que a Anna se atreve a escrever para o Júlio. As sombras ao redor deles parecem sólidas exceto por uma luz no fundo do corredor. Tipo um poste iluminado… Não é um poste… É uma pessoa… Alva como a lua numa noite cristalina. Uma pessoa que vem caminhando pelo corredor.

Anna, automaticamente, levanta o próprio celular e começa a tirar fotos enquanto se esconde atrás da mesa, quer dizer, tenta se proteger atrás dela.

Os quatro amigos colados uns nos outros. Se estivessem sozinhos teriam pulado pela janela do décimo primeiro andar, mas estão juntos e se apoiam um no outro.

– Quem é você! Não se aproxime mais! – Bruno gagueja e tenta se colocar à frente da Anna.

A figura ignora seus pedidos e continua caminhando até ficar a menos de três metros deles. Sua boca se abre e uma voz que não pode ser identificada como feminina ou masculina jorra dela. Jorrar é a palavra pois a figura não move os lábios ou a boca, apenas as expressões dos olhos mudam variando entre ira, pena, compaixão, ameaça. Os cabelos negros e ondulados respondem a um vento que os quatro não sentem. Uma luz intensa começa a surgir atrás da criatura conforme sua voz ecoa pelas paredes dando a impressão de que ela está ao redor dos amigos produzindo um clamor como o de um estádio de vozes celestiais… Ou infernais, eles não sabem.
Um flash de luz os deixa cegos por longos minutos. Agarrados uns aos outros e na mesa. Anna permanece como que congelada na posição tirando fotos do lugar onde estava a figura.

– A voz…

Mari tenta começar a falar várias vezes até conseguir emitir um som fraco, quase inaudível. Só então notou que os olhos estavam cheios de lágrimas, as bochechas encharcadas… Seus amigos não estão diferentes… Bruno e Jorge começam a soluçar como se estivessem saindo de um transe. Ana continua tirando fotos mecanicamente… Onde ela arranjou forças para isso? Seus olhos não piscam e as lágrimas continuam a correr.

– A voz… – Mari repete um pouco mais firme. Bruno e Jorge repetem ainda inaudíveis e entre soluços.

A casa está clara novamente. Mari abraça Anna com receio dela estar catatônica para sempre, mas a amiga retribui o abraço e suspira “amor proibido”.

Todos ouviram a mesma mensagem com palavras diferentes pois a voz não se resumia a palavras, ela carregava imagens e sentimentos que nenhum deles jamais havia sentido além de dezenas de outros que eles já viveram, mas não com aquela intensidade… Amor, respeito, medo, paixão…

Os quatro sentam no chão sem forças e buscando palavras para comentar o que aconteceu. Nem imaginam como contar aos outros.

A mensagem básica do ser era simples: tremei diante dos poderes celestiais e afastai vossas mentes do que vivenciaram.

No entanto também havia a certeza de que nada daquilo foi por um acaso, que os 12 amigos voltariam entrar em contato com aquilo. Não é como se fosse outra realidade, mas uma que nos cerca o tempo todo e não vemos por não estarmos prontos para vê-la, por nos cegarmos para ela.

Agora eles sabiam mais do que gostariam sobre tudo aquilo pois as imagens e sentimentos da voz os fizeram perceber que existe um amor confuso e proibido dos seres celestiais pelos humanos, a ponto de se apaixonarem por alguém perfeitamente comum e normal e mantê-lo vivo ao seu lado por séculos… Como fez o anjo que morava no corredor da Carla… Mantendo o seu amado vivo e sem perceber a passagem do tempo, achando-se um homem perfeitamente normal até que seu romance proibido foi descoberto.

Um anjo vingador foi enviado para encerrar a história retirando a proteção do homem, que morreu fulminado exposto aos séculos que viveu,  e, logo em seguida, levando embora o anjo que tinha se apaixonado.

No entanto não foi esse o conhecimento que mais perturbou os amigos e sim o de que tais criaturas vagam diariamente entre nós, que elas nem mesmo se escondem em nossa visão periférica, mas estão bem diante de nós, só que não conseguimos reconhecê-las. Anjos bondosos e raivosos que normalmente não interferem com os planos uns dos outros pois aceitam que há um plano maior e que devem se ater aos seus próprios planos.

– Como vamos contar isso tudo para os outros?

Anna fala com a voz firme, mas dando um grande espaço entre cada palavra. Os amigos percebem que para ela também foi como ler cem livros em alguns segundos. E sua mente estivesse aos poucos tomando conhecimento de tudo que aprendeu. Talvez anjos sejam incapazes de se comunicar de forma tão básica quanto palavras com significados limitados e, a cada vez que abrem a boca, o Cosmos flui deles para quem está ao redor.

– Não sei Anna… Nem sei o que dizer para mim mesma…

“O que está acontecendo aí? O mesmo que aqui? Anjo? Um milhão de palavras, 1 bilhão de imagens? 1 trilhão de sentimentos? Aconteceu com os outros…”

Eles ficam aliviados por não ter que explicar tudo sozinhos e respondem.

“Estamos bem… E os outros?”

“Um mintuto.”

O Whatsapp apita. É o Júlio no grupo “Todos bem?”

As mensagens de resposta vão pipocando “Bem”, “Na medida do possível”, “Acho que sim”, “O..o”.

Os que não tinham ido não sabiam de nada, não tinham compartilhado a experiência e nem recebido a “visita”. Esses perguntavam o que estava acontecendo. O dia seguinte seria um dia de difíceis explicações.

Ao menos todos se sentiram seguros e que estavam livres… Por enquanto…
[14h20]

Observações

Acho que uma parte da minha mente criativa está irritada por ter que se limitar a contos que terminam em 5 horas… Talvez eu tenha que escrever diariamente sem grilhões para conseguir manter o modelo do Um Sábado, Um Conto.

A gente não manda no nosso subconsciente, no máximo convivemos pacificamente com ele.

Tem coisas que gostei no conto, a sequência toda do anjo falando com os amigos no final me arrepia a cada vez que a reviso.

Mais uma vez eu transformei um suspense em terror. Tenho que pensar em como fazer suspense fantasia sem descambar para esse lado.

Vlog

O Processo Criativo

Tema: empate entre terror, aventura e suspense
Gênero: Fantasia
Público: Jovem
Época: Passado

Bem… Hoje estou com a mente totalmente limpa. É engraçado. E acho que é bom! Começar realmente do zero é melhor. Em outros dias logo que vou vendo o que o pessoal votou já vou formando algumas ideias, mas são, digamos, mais brutas.

[8h15]

Vou procurar fazer terror, aventura e suspense para respeitar o empate. São coisas que podem funcionar muito bem juntas, principalmente em uma história de fantasia.

Para fazer aventura já vi que o ideal é já começar com a ação e para isso tenho que ter uma boa ideia do meio e do fim da história, coisa que raramente tenho nesse projeto por causa da limitação de tempo. Não posso ficar planejando muito e começo a escrever com muitas coisas em aberto e, por isso, o começo fica com a apresentação dos personagens e da trama. Estou apresentando tanto para mim quanto para quem está lendo. Vou tentar fazer diferente hoje.

Jovem… Que questão jovem é importante? Digo, que questões jovens posso usar hoje? Quais são as de sempre? Estou assistindo Orphan Black que é uma história scifi com uma protagonista jovem, mas que já é mãe. Tem outras personagens da mesma idade que tem vidas de pessoas mais velhas, com marido e dois filhos na faixa dos 10 anos e outra ainda que está na faculdade. Não ficou claro para mim ainda se na verdade elas tem idades diferentes ou se apenas tem vidas muito diferentes, mas me faz pensar que o jovem moderno se estende muito além dos vinte anos.

Muita gente continua tendo uma “vida de jovem” ainda aos trinta e tantos anos. Isso pode ser interessante… A juventude estendida… Eu mesmo sou um caso já que, quando posso, jogo World of Warcraft e, se pudesse, jogaria muitos games com os amigos (não posso pq invento milhares de projetos para fazer e não sobra tempo. Se trabalhasse das 9 às 17h certamente jogaria mais).

No entanto qual é a tensão dramática disso? Segure essa dúvida…

O tema é bem propício para fantasia. Um jovem de uns 30 anos se vendo em uma situação real de fantasia… Teria que ser uma história sobre alguém descobrindo que existe um mundo de fantasia realmente.

Antes de começar a escrever passei olhos por uma notícia sobre repostas que a J.K. Rowling deu sobre HP e um dos comentários era algo do tipo “Certeza que isso tudo aconteceu e ela só escreveu”.

Esse desejo da fantasia ser real é bem comum e não acho que seja muito abordado… Tá, é bem abordado, mas acho que vou ficar com ele e tentar dar um tom diferente.

Enquanto estou escrevendo está me ocorrendo que a descoberta do mundo de fantasia pode ser nova para o protagonista, mas algum outro personagem pode estar bem acostumado a ela. Estou pensando também em Crônicas de Spiderwick que é basicamente essa descoberta de que o mundo de fantasia é real. Tem também aquele do Luc Besson… Fulano e os minimois. Pearcy Jackson e Cidade dos Ossos e o próprio Orphan Black (apesar de ser scifi) contam sobre a descoberta dos protagonistas de que existe um outro mundo por trás da realidade. Matrix também… Vixe, parece que toda história de fantasia é assim! Hahahaha! Gosto de tentar fugir de fórmulas… Será que dá em tão pouco tempo?

Humm… Acho que dá!

E se os protagonistas criarem um mundo de fantasia? Ponte para Terabitia… difícil ser original, né?

[8h35] Comendo uma maçã e pensando… Vou tirar o terror? Ha! Tive uma ideia! Mas agora vou terminar a maçã [8h38]

[8h52]

Nós vivemos em um mundo de fantasia. Quase todo mundo acredita em algum tipo de divindade que transcende ao mundo real, mas quase ninguém acredita de verdade já que são poucos os que vivem algo sobrenatural, pense em quantas pessoas você conhece que viram um mar ser aberto ou que viu espíritos flutuando ao redor de uma mesa mediúnica.

Essa fantasia será com as crenças que nós temos. Neil Gaiman fez isso muito bem em Deuses Americanos e Filhos de Anansi… Viu como é difícil ser original?

Teremos um “acreditador” que ficará surpreso ao descobrir coisas sobrenaturais acontecendo e um cético que achará intrigante.

Suspense… Alguma coisa vai acontecer no apartamento ao lado. O grupo de amigos está em casa jogando videogame, conversando sobre séries e filmes… Estou imaginando o grupo de amigos que mantém o Nível Épico. ? uma galera que vive essa juventude estendida de um jeito muito positivo, aliás eu acho bom se manter jovem, lúdico e com o mesmo espírito questionador da adolescência em vez da rigidez… do… adulto… É isso, no outro apartamento vivem pessoas adultas rígidas. [9h07]

[9h28 me desconcentrei totalmente, perdi o foco etc. é o que dá escrever contra o relógio. Cara, vou começar o conto…]

Imagem: Corie Howel