Uma torre de fumaça branca três vezes mais larga que o meu prédio se eleva em direção ao céu noturno acima da favela vizinha. O odor seco e rascante de mato queimado arranha narinas adentro e se envolve como arame farpado nas circunvoluções do cérebro que já começa a doer solidário aos pulmões que imploram por ar. Esse sou eu tentando trabalhar segundos antes de ligar para o corpo de bombeiros.

“O senhor está vendo o fogo?”

“Não, mas tem muita fumaça!”

“É o seguinte, e se eu mandar um destacamento e for alguém queimando uma lixeira?”

“E eu sei lá dos problemas do fogo! Eu só sei que estou sufocando aqui!!”

Expliquei que não tenho ângulo para ver,  nem cheguei a dizer que vinha da “comunidade” ou de perto dela.  Agora parece que tem sangue  escorrendo no fundo do meu nariz, pelo menos sinto cheiro de sangue. Deve ser a mucosa irritada.

Disse ao bombeiro de plantão que, quando a fumaça der lugar a labaredas, eu ligo novamente, mas algo me diz que, quando chegar a este ponto já teremos alguns mortos lá e outros moribundos aqui…

Agora é decidir se chamo a polícia ou logo o plano de saúde.

Imagem: Um incêndio no Hotel-Dieu em 1772, Jean Baptiste Genillion