Billie Piper como Sally ao lado do seu cão Chaca – Fonte: Arizona Public Media

Essa é a segunda história da série de Philip Pullman com a jovem Sally Lockhart, uma menina da era vitoriana que foi criada para ser forte e independente ao contrário da maioria das mulheres da sua época.

Vale a pena ler o primeiro livro (A Maldição do Rubi) onde a conhecemos quando tem 16 anos e sua vida começa a dar a primeira grande virada.

Quem quiser começar pelo segundo livro também pode pois o autor se preocupa em nos reapresentar os personagens nas primeiras páginas sem se tornar chato para quem leu o primeiro pois ele vai inserindo as informações no meio da nova trama.

Não é possível ler Pullman impunemente: Suas obras sempre nos conduzem por duras jornadas de superação e amadurecimento. Não espere um autor que tem medo de contrariar seus leitores e vender menos. Pullman sabe se curvar à dura realidade e aos rumos que as histórias querem seguir.

Logo no começo do livro…

Ah! Pode ler sem medo pois não faço spoilers

Bem, logo no começo do livro nos surpreendemos ao encontrar Sally seis anos depois da primeira parte. Pullman realmente está mais interessado em respeitar a história do que em fazer uma franquia com dezenas de livros que acabam perdendo o contato com os personagens.

Muito embora o livro seja mais ou menos do mesmo tamanho do anterior a narrativa é muito mais concisa e veloz nos transmitindo um volume de informação que dá à trama vários níveis para mergulharmos tanto em termos de cenários quanto na profundidade dos personagens construídos com precisão em poucas linhas.

Imagino como será o terceiro pois já gostei muito mais desse que do primeiro, muito mais maduro, com muito mais questionamentos sobre o nosso tempo (apesar de se passar na era vitoriana, por volta de 1880).

Aliás há participações de vários locais e personalidades famosas da época. Vale a pena ler buscando os nomes que aparecem para ver quais foram criados para a obra e quais realmente andavam por lá. Isso rende inclusive algumas piadas.

Mais um aliás… Pullman coloca vários avanços tecnológicos da época como pano de fundo nos dando uma interessante perspectiva dos avanços que vimos nesses últimos 130 anos e despertando aquela pergunta: “Estou lendo uma obra steampunk?”

Mas isso eu não vou dizer! Deixarei por sua conta decidir se Sally Lockhart e a Sombra do Norte é ou não uma obra Steampunk.

A tradução
Como amigo e marido de tradutores… Para ser mais exato sou casado apenas com duas tradutoras e amigo de um monte de outros, mas isso é outra história… Hehehe!

Bem, cercado ou não de tradutores nós devíamos dar muito valor a eles pois os bons tradutores trazem as obras vivas até nós.

Gostei muito da tradução da Flávia Neves.

Não a conheço, mas espero ter a oportunidade de elogiar o trabalho dela algum dia.

O Espiritualismo
Pullman é um conhecido cético ainda que suas obras frequentemente flertem com um tipo de natureza que nos sentimos tentados a ver como sobrenatural.

Depois de ler vários livros dele e ver várias entrevistas creio que seria um erro considerar que ele tenha algum tipo de crença mística.

Nesse livro o recém desenvolvido espiritualismo tem um papel importante e, mais uma vez, o autor deixa pontas abertas que fazem com que nos perguntemos se estamos diante de algo sobrenatural.

Essa é mais uma coisa que admiro muito em Pullman. Creio que ele não é um cético e sim um questionador, alguém com uma consciência científica tão aguçada que faz questão de deixar portas abertas para negar suas próprias convicções.

Para ele, mais importante do que nos “ensinar” é nos provocar o questionamento.

Então… Será mesmo que ocorre algo sobrenatural em Sombras do Norte? Deixo por sua conta decidir.

O Filme
Vamos direto ao assunto: leia o livro antes e assista o filme apenas se quiser ajuda para imaginar o ambiente da época.

A narrativa veloz e a trama intrincada da segunda parte das aventuras de Sally realmente torna quase impossível fazer um telefilme de menos de duas horas que consiga contemplar todos os pontos essenciais.

Billie Piper é uma boa atriz, mas Sally passa por tantos processos internos que não são verbalizados que somente uma atriz fora de série seria capaz de nos transmitir somente com a linguagem do corpo e expressões sem parecer uma desajeitada transposição do teatro para o vídeo. Piper e a direção optaram por perder a profundidade das emoções e pensamentos de Sally e fazer uma obra séria.

Infelizmente não é somente isso que se perde. Há um diálogo perto do final da história que nos mostra uma visão desconcertante do mundo que ficou de fora do filme. Acho uma pena pois considero que esse é o ponto alto da história, o que realmente nos faz repensar nossos valores.

Outras perdas menos importantes estão nas sequências de ação e cenários que são muito mais intrincados e complexos.

Ah! E finalmente há uma outra falta que me incomoda muito mais: Sally e seus amigos parecem ser um pequeno grupo de quatro pessoas quando na verdade a sensação que temos no livro é que eles tem muitos amigos.