Ontem fui assistir o filme do Curinga (que chamaram de Batman por motivos comerciais, só pode ser) e vou contar o que achei.

Pode ler o resto do post pois não gosto de escrever spoilers e não vou contar nenhum fato do filme me concentrando mais no que o filme tem a dizer.

A grande pergunta que o filme nos faz é: O que separa você do colapso da sua humanidade e da sua entrega ao caos que pensamos dominar nossa civilização?

É uma pergunta muito perigosa que, na minha opinião, não deveria ser feita por qualquer pessoa, independente da sua idade e, certamente, não por jovens de 12 que acabaram de ler um inócuo Harry Potter. Aliás, não sei se mesmo os jovens notáveis que leram Proust ou Philip Pullman estão necessariamente prontos para esse tipo de choque com a realidade…

… Realidade? Não sei se loucuras como a do Curinga acontecem de verdade, mas essa é outra história.

Hoje, quase 24h depois de ver o filme, percebi que há um lado negativo que devemos levar em consideração.

Hollywood é uma máquina de fazer grana. Quando “ela” vê um filme fazer sucesso sai copiando, mas raramente entende realmente onde estava o segredo daquele filme preferindo imitar apenas sua forma. O exemplo perfeito para isso é Senhor dos Anéis que foi seguido por uma infinidade de “filmes de fantasia”.

Curinga, digo Batman, se destaca pelo realismo da sua violência psicológica (não tem sangue) e receio que comecem a fazer uma série de filmes imitando. Será que amanhã veremos jovens border line arrancando os próprios dedos em desespero diante de uma vida sem sentido nos filmes para maiores de 12 anos?

Tirando essa ressalva Batman é um dos melhores filmes dos últimos tempos e, sem sombra de dúvida, o melhor inspirado em personagens de quadrinhos.

O ambiente desse filme é o de Cavaleiro das Trevas de Frank Miller e Piada Mortal exceto pelo fato do Curinga ir além de todos os Curingas que já vi nos quadrinhos se aproximando mais de Hannibal e outros “top” psicopatas do cinema. Isso é uma conquista para os fãs mais antigos de Batman que finalmente receberam o filme que, já adultos, gostaríamos de ver.

Outro ponto alto do filme, reforçado pelo excelente elenco, é a profundidade dos personagens e complexidade das suas personalidades e relacionamentos. Não chega a ser um filme a colocar ao lado de Dogville e similares, mas não fica muito longe.

De infantil o filme só tem uma certa bondade essencial do gênero humano, mas ela era inevitável diante de um demônio tão pleno quanto o Curinga.

A propósito, não posso deixar de observar que movimentos fundamentalistas se mobilizam (com sucesso) para derrubar a bilheteria de filmes que incitam ao livre-arbítrio como A Bússola de Ouro, mas se calam diante de um outro filme que apresenta um demônio purificado de qualquer sinal de humanidade e nos pergunta o quão distantes ou próximos estamos de nos tornar como ele?

A pergunta no entanto é necessária, aliás, ela é questão de vida ou morte para a nossa civilização. Não falo do fim da civilização, isso não vai acontecer, mas quanto caos ainda produziremos antes de nos dirigirmos para a celebração da vida, da consciência, da arte, cultura e espírito?

Sim, com nossa sede por vingança a cada crime hediondo, escândalo de corrupção e insatisfação dos nossos pueris desejos consumistas estamos mais perto do Curinga do que do mocinho, mais perto do caos do que da ordem.

Ao ter sede de justiça esquecemos do desejo e necessidade de paz e nos entregaríamos facilmente às loucuras do Curinga e à sua visão distorcida da alma humana. Tudo isso está lá no filme, só não direi onde pois, como disse, não gosto de fazer spoilers.

Batman, ou Curinga como passarei a chamar para sempre esse filme, é uma obra vital para abrir nossos olhos apesar de nos revelar um mundo perigoso.

Ao contrário de alguns movimentos fundamentalistas creio que o caminho do amadurecimento não é ignorar o questionamento, deixar de ver o trem que vem a caminho, mas encará-lo fixamente para conhecer suas arestas e pontas afiadas e saber como evitá-las ou transformá-las em algo que nos ajude a ser melhores hoje do que fomos ontem.

Coringa ou Curinga? O certo seria Curinga, mas pelo jeito a indústria de marketing de entretenimento quis fugir do “cu” e decretou que o personagem seria Coringa.