Nas últimas duas semanas tenho pensado em como transmitir minha mensagem de Natal e Ano Novo. Sabia bem o que tinha a dizer, mas não encontrava o como.

De ontem para hoje tive um sonho que sintetiza tudo que estou sentindo neste fim de ano e que gostaria de compartilhar com vocês.

O texto ficou meio extenso. Se quiser pode ler só o final, tá? :-)

Neste sonho sou um tipo de revolucionário em um mundo muito parecido com o nosso onde vivemos com medo no meio do fogo cruzado entre governos corruptos e criminosos. Logo no início do sonho nossa célula revolucionária está invadindo uma instalação para obter informações que o povo teria direito de conhecer. É de noite, perto de uma praia e a operação falha. Apenas eu e uma companheira sobrevivemos no alto de uma torre.

Creio que todos concordarão que é assim que vivemos hoje. Não nos tornamos revolucionários, mas estamos cheios do medo e da revolta que nos inspira apenas a desesperança. Passamos os melhores dias das nossas vidas nos revoltando contra poderes políticos e econômicos contra os quais somos impotentes restando-nos apenas os papos exasperados ao redor das mesas de bar se temos dinheiro para isso, ou tacar pedras nos carros dos ricos em uma demonstração vã de revolta se estamos entre os menos privilegiados que nem casa para morar conseguem.

O sonho entretanto muda de rumo. Minha amiga já havia perdido as esperanças, mas eu não desisti e vi que uma duna chegava bem perto da torre onde estávamos encurralados. Saltando para a duna e encobertos pela noite de lua minguante conseguimos escapar pela praia e vamos seguindo até chegar em um estranho trecho onde é dia e um jardim verdejante se estende ao lado das calçadas. Deve ser meio dia e há pessoas caminhando pelas ruas vestindo roupas que nos remeteram imediatamente a tempos mais inocentes e leves.

Pode parecer que era uma cidade de alienados, uma Shangrilá isolada da civilização, mas não era. Naquela cidade moravam pessoas que trabalhavam no mundo logo atrás. Uma delas inclusive trabalhava para a instituição do início do sonho. O que acontecia é que aquela cidade era o mundo daquelas pessoas, feito por elas de acordo com sua natureza interior que era pura e simples. O fato de trabalhar em um mundo onde os sonhos foram roubados e as intenções sempre escondem interesses egoístas não significava para eles que tinham que viver do mesmo jeito.

Isso é algo que todos nós deveríamos tentar fazer: criar em nossas casas e entre nossos amigos o mundo que existe dentro de nós em vez de permitir a entrada de outros mundos que não são o nosso mundo. Tenho certeza de que há várias “cidades” como essa do sonho logo ai do lado da sua casa ou da minha casa.

O mundo ao redor sempre foi perigoso. Peste negra, a inquisição, o fascismo, duas guerras mundiais, ursos e tigres, vikings. Em cada época um grupo de ameaças, mas hoje nos deixamos abater por coisas que jamais nos atingirão diretamente e que não podemos mudar enquanto deixamos de dar atenção a outras que estão aqui do nosso lado.

No sonho eu tinha um sobrinho que morava na tal cidade. Ele veio preocupado falar comigo porque tinha medo que eu morresse antes dele. Não tem valor maior do que o amor sincero da família e dos amigos. Será que estamos dando tanta atenção a eles quando deveríamos?

Essa não é a melhor mensagem de fim de ano que escrevi até hoje, talvez seja uma das piores, mas pelo que tenho visto nas pessoas ao meu redor e em mim mesmo essa é uma das mensagens mais importantes que eu poderia dar.

Neste fim de ano lembre-se de construir ao seu redor o mundo em que você gostaria de viver. Não se alimente do mundo que está além do seu raio de ação (observe-o e fale nele em seu blog ou escreva artigos), mas não permita que a noite penetre no mundo que construimos junto aos amigos e a família.
Para nós no hemisfério sul o fim do ano coincide com o solstício de verão quando temos o maior dia do ano. Essa é uma chance para fazermos o mesmo lançando luz em nossos relacionamentos pela prática da sinceridade, do amor e do espírito de fraternidade.

Um bom Natal e um feliz Ano Novo!

P.S.: A mensagem de Natal do Frei Betto em 2001 também foi muito boa!