Por que perder medo do escuro? Pois é! Admitir que temos medo do escuro, ainda mais já não sendo mais criança, é motivo de vergonha para muita gente. Eu tinha vergonha aos 12, 13… porque achava que não era mais criança, mas assim mesmo não fazia nada a respeito porque achava normal o medo que temos do escuro, que era um medo necessário pois a gente não sabe o que se esconde nas sombras.

Na rua pode ser um animal bravo, um buraco, uma pessoa pronta para nos agredir por algum motivo qualquer, um monstro, porque não? O mesmo tipo de monstro que pode se esconder nos cantos escuros do nosso quarto, da sala, sob a cama.

Medo do escuro é uma dessas coisas que parece que quase todo mundo tem, mas tem vergonha da admitir, como a masturbação… vergonha do prazer sexual, vergonha do medo irracional…

Talvez se a gente tivesse menos vergonha achássemos menos motivos para ter vergonhas.

Por isso essa introdução enorme, para dizer que não acho nada de errado em ter medo do escuro, que perdê-lo também é perder um tipo de conexão e temor com o mundo além do que vemos objetivamente, e, mesmo que sejamos materialistas e racionais, existe muita coisa que não vemos objetivamente e, mais ainda, devaneios e “criaturas” que habitam nossos sonhos de devaneios. Monstros que cumprem papéis psicológicos e simbólicos. Talvez por isso, mesmo sendo uma pessoa racional e cética, eu continue observando as criaturas sobrenaturais que existem logo abaixo da minha mente consciente e goste de literatura e filmes de fantasia e terror sobrenatural.

Mesmo sem medo do escuro, medo que decidi enfrentar aos 18 anos apenas, bem mais tarde que a Vivi, que o fez aos nove anos e cujo texto sobre como corria de criaturas invisíveis me inspirou a vir escrever sobre os meus medos, mantenho o encanto e o deslumbramento com o poder das imagens e criaturas fantásticas sobre a nossa mente e emoções.

E como foi perder o medo? Por que praticamente adulto e achando que o medo era normal, decidi perder o medo?

Bem, na verdade não decidi perdê-lo. Assim como a Vivi o que eu decidi foi confrontar o medo, entender o que ele era, o que se escondia nas trevas.

Aproveitei que o apartamento da minha namorada tinha dois andares e a sala de baixo ficava vazia e escura, que o corrimão e grade de ferro batido eram contorcidos de um jeito orgânico que dava uma certa vida aos degraus que desciam para a escuridão.

Então apaguei tudo e sentei no alto da escada. Isso foi há quase 4 décadas e não faço ideia onde estava a namorada ou porque eu tinha certeza que ela não apareceria, mas eu sabia que ninguém atrapalharia o encontro com as criaturas das sombras.

Fiquei ali, o coração ribombando ruidoso e retumbante no peito relutante (desculpe, sou fã de Cruz e Souza) produzia um fluxo quase sufocante de sentimentos e imagens indefinidas, mas assustadoras. Creio que suei frio por vários minutos.

Não é que os monstros não tenham vindo e eu tenha notado que o medo era tolo. Os monstros vieram, vinham em ondas percorrendo cada terminação nervosa da minha pele, eles só não eram físicos, eram monstros mentais e bem reais.

O que acontece é que eram os meus monstros e não os monstros do escuro. A falta de visão apenas me confrontava comigo, com a minha própria mente e memórias, traumas, decepções, inseguranças que eu não lembrava conscientemente e se tornavam sombras que rastejavam primeiro incorpóreas e aos poucos assumindo a forma mais adequada para representar a memória inconsciente que me perturbava até então.

Entendi que os monstros estão lá o tempo todo e que são mensageiros de feridas que tenho a cicatrizar, a tratar, muitas vezes sem ao menos lembrar delas, mas apenas aceitando o monstro e permitindo que ele se dilua, perca o poder.

Acho que fiquei quase uma hora sentado ali no escuro e quando levantei não tinha mais qualquer medo do escuro e nunca mais tive. Felizmente também não tenho medo dos monstros interiores, talvez por entender o papel deles. Além do mais, também existem fadas, elfos e boas criaturas mágicas vivendo no nosso imaginário…

Foto de Carolina Pimenta na Unsplash