Enquanto escrevo essas palavras vejo logo acima “Adicionar título”. Em geral sei que título vou dar ao que vou escrever no blog, afinal sei sobre o que vou escrever, certo? E dessa vez também sei, mas percebi que o post dessa vez é uma busca pela síntese que possa lhe servir de título.

Houve época que eu escrevia aqui todo dia, que esse era o meu diário. Depois vieram as redes sociais, que foram degradadas em mídias sociais (ainda bem que surgiu o Mastodon) e passamos a fazer nossos diários lá em vez de em blogs que, concordo, são meio individualistas.

De uns tempos para cá, para ser exato, desde o dia 6 de fevereiro, passei a fazer um diário no Evernote. Não tem um dia que eu não tenha escrito sem ter que me preocupar em deixar claro para outras pessoas o que eu estava colocando ali.

Esse é um problema de escrever online, né? de achar um título para um post online: não basta dizer o que estamos sentindo, temos que dizer de uma forma que fique claro para outras pessoas.

Esse post é sobre duas coisas. Sobre os desgaste dos últimos 23 dias desde que tive que iniciar uma jornada de cuidado do meu pai levando-o para a emergência, para casa, de volta para a emergência, para um hotel de idosos há 4 dias.

Vê? É um parágrafo que diz tudo para mim, mas não é nada claro para quem cai aqui e não sabe que saí de casa aos 18 anos, que hoje tenho 56, como era distante o meu relacionamento com o meu pai e por quê…

Creio que, para os fins desse post, e para que ele possa ser mais universal, basta explicar que temos visões opostas do mundo e que ele é… complicado. Do tipo de complicado que zoa com a cabeça de quem está ao redor, tá ligade?

A única pessoa que poderia cuidar daquela pessoa que eu não via há anos era eu e, como Frodo, a gente assume o que o destino coloca no nosso caminho. Como aconteceu com Frodo, está sendo desgastante. O Um Anel pesa no pescoço e ter Sam (não exatamente o Sam, mas a minha esposa) me ajudando está sendo essencial em tantos níveis! Alguns amigues também estão dando apoio vital, vcs sabem quem são e talvez nem leiam esse post pq conversamos em espaços mais acolhedores e privados.

A segunda coisa sobre a qual esse post fala, e talvez seja a principal, é a ansiedade…

Cuidar de um pai abusivo não é ruim quando não nos atinge mais… A propósito… Esse post talvez não seja nem sobre o cansaço, nem sobre a ansiedade e sim sobre os gatilhos que uma relação perversa deixa em nós até mesmo 40 anos depois de nos afastarmos dela. Gatilhos que podem ser usados para nos levar ao cansaço e à ansiedade.

De um bom tempo para cá me incomoda as pessoas fugindo de gatilhos. Acho que devemos entendê-los e controlá-los porque de qualquer jeito não tem como evitá-los. Quando a gente foi vítima de uma relação perversa podemos fugir dela, mas os gatilhos estão ali para outras pessoas ou até mesmo situações ativarem.

Claro que temos que saber a hora, né? Uma vez, quando tinha uns 19 anos, desisti de ler o livro O Sapateiro, da mesma autora de Sybil, porque vi que não ia dar conta. Até hoje não peguei novamente para ler, mas pegarei.

No caso dos últimos 13 dias (olhei o diário e vi que não foram 23 dias!) não pude optar: alguém precisava de mim, um escorpião como o da fábula do mestre taoista: é da natureza do escorpião ferroar, é da nossa natureza não deixar desamparado que só tem a nós.

Acho que temos um título… Feridas emocionais não podem ser esquecidas.

Elas são parte de nós e, como aquele pé quebrado que volta a doer quando tem uma tempestade se aproximando, elas também permanecem e, provavelmente, lidar com elas e aprender a entender as forças e fraquezas que se formam ao redor delas seja a melhor coisa a fazer. Eu passei 40 anos tentando não lidar com elas… E ainda assim tem gente que diz que sou uma pessoa sábia… Mas é assim mesmo, todas nós temos nossas burrices assim como temos nossas inteligências.

A vida não é um filme que podemos ignorar quando vem com algum gatilho… Talvez por isso eu me incomode tanto com a fuga dos gatilhos na ficção, afinal são como uma caixa de areia segura para testarmos e entendermos nossos traumas antes que eles se imponham a nós. Fica a dica…

Imagem: Aleksandr Barsukov