Bem, sou casado com tradutora e tenho muitos amigos tradutores, mas não traduzo. Aqui vou falar no papel do adolescente que fui há 30 anos e dos amigos que tenho hoje com menos de 14 anos.

Lembro bem que aprendi a palavra “pernóstica” em um livro chamado O Caso da Borboleta Atíria que lá com uns 10 anos ou menos. Teve também a série Monitora (ou esse era apenas o nome da nave que ocupava a posição central da história?) que era rica em conceitos de física como “energia do nada” e li na mesma época.

Não, eu não sou um gênio, não fui criado em uma realidade alternativa onde as pessoas escreviam livros especiais para deixar as crianças mais inteligentes. Sempre houve livros idiotas para crianças idiotizadas (não necessariamente idiotas de fato).

Hoje temos livros como Desventuras em Série de Lemony Snicket, Fronteiras do Universo de Philip Pullman (para a faixa dos 14 eu diria) e Artemis Fowl de Eoin Cofler (onde vemos palavras como “algaravia”) que não subestimam a inteligência das crianças.

No entanto, em um papo com amigos tradutores lembrei do  O Misterioso Assassinato de Fedora Exclamação de Glauco Damas, autor nacional que foi rejeitado por uma editora por ser “difícil demais para crianças” e hoje vende bem.

Fico pensando nas crianças de 5 anos que sabem os nomes de todos os mais de cem pokemons e todas as suas transformações, digo, evoluções pois se eu trocar o nome elas logo virão me chamar de burro! Dos jovens com 8 anos que sabem os nomes de dezenas de espécies de dinossauros.

Não se trata de um fenômeno de nicho, de crianças super-dotadas. Toda criança é uma máquina absurda de absorção de informações e saberá absolutamente tudo sobre o que a interessa. A diferença está no objeto do interesse que pode ser letras de músicas, personagens do Discovery Channel, nomes de jogadores de futebol…

Ao escrever para o público infantil não deveríamos jamais subestimá-los! Se a nossa história é de sci-fi as crianças que vão se interessar em lê-la provavelmente conhecerão melhor as referências do que nós. Por exemplo, seria necessário “aliviar” uma referência como “- Podemos ser atingidos por um phaser! – Isso só existe em Jornada nas Estrelas” trocando por algo como “-Podemos ser atingidos por um raio laser! – Isso só existe em ficção científica”?

Talvez se a série fosse Seres do Amanhã (abertura abaixo) sim, mas, por incrível que pareça, MIB, ET, Jornada nas Estrelas, Star Wars (eles chamam assim mesmo, em Inglês) e outros ícones de décadas passadas são bem conhecidos por essa galera.

Então como escrever e traduzir livros para esse pessoal?

Falando do ponto de vista de um adulto que foi uma criança que lia muito e conversa com muitas crianças na faixa dos 10 aos 15 (quase todos que lêm leram ou pelo menos conhecem Harry Potter e Senhor dos Anéis)…

  1. Nunca subestime uma criança. Lemony sabe bem disso e, apesar de escrever para a faixa dos 8 anos distribui palavras realmente complexas em sua obra, sempre brincando com seus significados. Philip Pullman, que escreve para um público mais velho, não subestima a maturidade emocional dos seus leitores, lembre-se das fábulas que nossos avós ouviam antes de dormir… Eoin Cofler não subestima a maturidade moral ao apresentar um herói que é um vilão.
  2. Viva o universo jovem. Leia livros, veja filmes, assista desenhos e converse com eles.
  3. Saiba definir bem o seu público, primeiro em faixa de interesse, depois em faixa de idade. Crianças de 8 anos que vão ler um livro onde pássaros são parte importante da trama absorverão bem um “o ornitólogo pegou delicadamente o frágil pintassilgo Spinus Culcullatus” mesmo sendo algo incompatível com sua idade.
  4. Não subestime uma criança… Vale a pena repetir! Confie na sua boa editora para avisar que você exagerou.

Notei que minhas sugestões estão parecendo regras, não são! Esse post é um apelo de uma ex-criança para que, vou dizer novamente, não subestimem as crianças de hoje (mesmo que você esteja lendo esse post 50 anos depois que o escrevi).