Um canto como qualquer outro, é uma reentrância entre dois prédios, um desses lugares invisíveis para onde ninguém olha.

Ali poderia estar um mendigo encostado dormindo, um cachorro de rua, um pequeno amontoado de oferendas para os Deuses, a trouxa de pertences de um velho morador de rua ou mesmo um casal se beijando ardentemente atendendo o chamado da lua da primavera.

Tinha uma vassoura.

Novinha, limpinha e com um laço laranja e lilás. Ainda assim ninguém a via. Nem os meninos de rua, nem os lixeiros que passaram mais cedo, muito menos as pessoas ocupadas em ir do trabalho para casa ou para o restaurante onde os amigos as esperam.

Passam os dias, o sol ao meio dia, o sal da maresia à meia noite vão devorando lentamente as cores de bela vassoura que espera pacientemente.

Ao contrário do que se poderia esperar o desgaste não lhe subtrai valor, pelo contrário, lhe concede personalidade. Antes era apenas uma vassoura nova esquecida em um canto, agora? Mais uma personagem com as cores e espíritos da cidade que a abraçou.

Ali no canto ela observa a bola improvisada com sacos de mercado recheados com trapos e quatro meninos de rua que vem correndo. Finalmente ela é vista. Agora ela é parte daquele mundo. Uma mão suja com unhas incrustadas de fuligem negra estica os dedinhos para tocá-la.

“Tira a mão menino! Te faço sair pulando feito sapo, hein? Essa ai é destinada a mim!”

A velha mendiga parece ter saltado de dentro da parede do prédio e segura firme o pulso do moleque que torce a boca um pouco por medo e um pouco tentando parecer ameaçador. Não funciona. A mão da velha parece um torno mecânico e, quando ela o solta, só resta ao menino sair correndo xingando a mendiga de bruxa. Ela ri…

“E… Então a bruxa deixou mesmo a minha vassoura…”