Sexta feira começou com uma reunião burocrática, um inventário em família com ajuda de uma amiga.

É muito ruim só ver a família em momentos tensos burocráticos, não é? Por isso tiramos um tempo depois da reunião para almoçar com minha cunhada, a imagem do post é do restaurante onde fomos, a decoração ajuda a nos deslocar do cotidiano desagradável e de memórias revividas que nem sempre estamos dispostos a reviver. É uma arte viver do presente para o futuro…

Mas não vou falar disso ainda. Esse post é para falar, sem spoilers, de Shazam! Mas ainda não é dele que vou falar porque as coisas que vivemos em um dia mudam as outras coisas que vivemos depois.

Ainda na reunião burocrática fiquei admirando a amiga advogada. Tem profissionais que precisam ser amigos ou nos sentimos em um mato sem bússola (é meio crueldade ficar levando cachorro para o mato só para nos proteger, não acha?), mas enfim, não é apenas ter bons amigos, é perceber que a maioria das pessoas são boas amigas para seus semelhantes.

É uma pena que a gente não se sinta semelhante a todas as outras pessoas e criemos divisões com cordas e arames farpados ideológicos, enviesados, culturais.

Mais tarde estaremos atravessando a sobra da Candelária pelas suas costas quando uma voz grave, com aroma de tabaco… Melhor dizer que o aroma é sinestésico, era a voz que cheirava a tabaco denso e marrom, cor, aliás, também sinestésica.

Então, a voz veio de trás de mim “Adorei o seu cabelo”.

Não era comigo, era com minha esposa, que realmente tem uma cor mesclada de grafite e prata linda sobre sua cabeça formando ondulações que, já disse em outros tempos aqui nesse blog, me lembram Era, a deusa grega. De cabelos prateados ela continua sendo uma força divina, entretanto mais parecida com Prometeu que nos trouxe conhecimento e cultura (ela é tradutora literária, já devo ter dito).

A dona da voz era uma mulher transgênero em situação de rua. Vestia um confortável vestido e saia laranjas. Faltavam-lhe quase todos os dentes, menos um que me mantinha proeminente um pouco à esquerda da sua boca.

Mais tarde me disseram que ela pode ser violenta e vi o mesmo olhar que se distancia ao falar daquilo que é muito diferente e causa medo: não entendo aquilo, deve ser perigoso.

Tinha o Faísca! O pequinês que era o terror da SQS 112 em 1978 quando morei em Brasília. Conheci a dona dele que o deixava solto pela quadra para cuidar dos seus negócios caninos. Imagino que ela trabalhava e achava cruel deixar o pequeno canino preso em casa. Talvez ele incomodasse os vizinhos ou destruísse coisas. Gostaria de ainda ter contato com ela. Na época era uma jovem se bem me lembro.

Faísca era o terror da quadra, todos fugiam dele pois todos sabiam que ele era violento e, quando se aproximava já lhe atiravam pedras e Faísca realmente se mostrava um pequeno monstro.

Corri dele várias vezes até que uma fez fui encurralado no trepa-trepa junto com o Marquinhos, outro amigo cujo contato perdi totalmente e hoje talvez seja um poderoso corrupto, muito embora eu realmente espero que seja um bom adulto.

Sem saída decidi tentar fazer amizade com o Faísca e, vejam só, como a travesti à sombra da Candelária, ele se tornou um bom companheiro e passei a caminhar pela quadra mais seguro que qualquer outra criança de 11 anos, algumas vezes o acompanhei até sua casa e foi como conheci sua dona de quem nada lembro.

Enfim, Faísca era perigoso? A travesti era perigosa?

E o que isso tem a ver com Shazam!?

Acho que o nome do filme se escreve com o “!” certo? Fui ver Shazam! ontem no espaço Itaú em Botafogo.

Isso depois de uma reunião burocrática e de vagar um pouco pelas ruas do centro, fazer amizade com uma travesti que gostou dos cabelos da minha esposa e trocou dicas sobre roupa confortável e encontrar com amigos apaixonados.

A paixão que une pessoas dá uma cor quente para a vida e foi assim, com essa mistura de memórias, encontros e emoções que fui assistir Shazam!, um filme que eu temia que fosse como Super-herói americano… E até é um pouco, mas disse que será sem spoilers, então não direi em que se parece.

O ponto é que o filme é meio ruim. Shazam! parece um pouco bobo demais considerando quem ele é antes de se tornar o herói, a história tem uma graaande barriga com acontecimentos divertidos, mas que não acrescentam informação ou expectativa tornando-se “chatos” como disse um amigo, tem alguns personagens meio apagados e outros muito carismáticos (mérito também dos atores).

Apesar de tudo é divertido e, como tudo, tem lá seus aspectos dignos de nota.

Um, que só percebi enquanto escrevia, lembrava do Faísca e de outras eras da minha vida, é que o protagonista poderia seguir qualquer caminho, sua motivação poderia ser egoísta, infantil, mas não… Com muito cuidado agora para evitar spoilers!

Assim como os meus olhos viram uma companhia de caminhada na travesti que outros enxergam como perigo a forma de ser visto transforma Shazam!

Esse filme é sobre como a humanidade pode ser redentora e esse é um mérito que vale dar um abraço no filme. Talvez não valha o ingresso do cinema para você, mas merece seu carinho!

Nos comentários o spoiler é liberado, mas desconfio que, nesses tempos de tempo roubado pelas redes sociais, quase ninguém ainda lê e comenta em blogs, muito menos em um post divagante como esse ;-P