Assim como existe a pós-verdade também deveríamos estar falando em pós-ciência… Aliás esse “pós” pode não ter sido uma boa escolha, mas tudo bem, Evolução para nomear a teoria do desenvolvimento da diversidade da vida também não foi.

Ilha do Governador… É uma ilha de fato no Rio de Janeiro. Nela fica o aeroporto internacional da cidade. É na periferia da cidade, cercada de bairros pobres e sofre os preconceitos de uma sociedade desigual: não é bairro nobre.

Minha tia e meus primos moravam lá na década de 70 do século passado. Eram duas casas, uma de frente para a outra.

E o que isso tem a ver com pós-ciência?

Era um dia, mais um de tantos, ensolarado e quente. Um dos meus dois primos e eu conversávamos a respeito dos mistérios da ciência, especificamente sobre a passagem do tempo e a velocidade da luz.

A Internet estava longe de chegar às pessoas, mal tinha sido criada com a finalidade de manter a comunicação militar em uma guerra nuclear, mas “relatividade”, viagem no tempo, velocidade de dobra e outros deslumbramentos científicos já passavam diante dos olhos ávidos de crianças como meu primo e eu.

Tínhamos a necessidade urgente de entender aquelas coisas. Lembro, pouco tempo antes ou depois, de como fiquei transtornado pensando na impossibilidade e a inevitabilidade do infinito enquanto minha avó de Santa Cruz (outro bairro enorme que poderia ser uma capital na Europa) fazia bala de hortelã. Ela morava em um sítio que tinha sido uma fazenda de aipim, uma parte da família da minha mãe ainda mora por lá.

A gente precisava entender para não pirar.

Naquele dia com o primo por parte de pai na Ilha do Governador eu tentava explicar a distorção do espaço-tempo em velocidades próximas à da luz… O que uma criança de 11 anos poderia ter entendido sobre isso? O que poderia explicar, não é?

O primo, fazendo suas associações decidiu que era o calor que distorcia o espaço-tempo, afinal a velocidade causa atrito, o atrito produz calor. O raciocínio até que faz sentido, não acha?

Como eu nunca tinha lido sobre isso achei que estava errado e argumentei algo que já não lembro e o primo, com sincera curiosidade científica e necessidade de encontrar conforto na sensação de que entende o mundo em que vive, apresentou o Sol como prova! Afinal o Sol era quente e fazia o tempo passar! Ele ainda inventou alguma coisa como ter pessoas vivendo lá.

Delirou, né?

Esse foi meu primeiro contato com a pós-ciência. Nunca esqueci, mas nunca tinha associado à pós-verdade.

Do mesmo jeito que a ciência atinge regiões que não conseguimos entender intuitivamente nos causando mais perturbação que deslumbramento a política e, bem pior, a pessoa ao lado, as tribos ao redor da gente, se tornaram diversificadas, fluidas, complexas demais para entendermos intuitivamente.

Naquela tarde há 40 anos éramos apenas duas crianças perplexas, hoje nós todas, pessoas da era da Internet, sentimos uma necessidade desesperada de um chão firme onde pisar, nem que ele seja uma invenção frágil que pode se desfazer a cada mudança de fuso em uma viagem de carro para o leste. Isso nos dá medo…

Imagem: Nasa – Solar Orbiter