O cara veio e sentou na minha mesa perguntando se tinha problema…. Tinha, mas ele já estava sentado, pô! Logo ao lado havia outra mesa com um guarda-sol igual, sombra igual, brisa igual e… vazia, mas o sujeito decidiu sentar comigo.

Raios… Praia de Copacabana no verão e às vésperas do ano novo! Tem todo tipo de viajante errante e carente. Devia ser o caso do cara. Queria bater papo com alguém com certeza.

Fiz cara de poucos amigos e continuei a beber o meu coco gelado.

“Vim encontrar com um amigo, sabe?”

Não respondi, somente balancei a cabeça fingindo que prestava atenção nas ondas.

“Gosto desse caos de pessoas, etnias, costumes e culturas em que o Rio se transforma nessa época… Meu amigo também… Apesar de não se dar bem com o calor. Por causa de todo aquele pelo.”

Putz, o cara era estranho… Que papo era aquele de amigo peludo?

“Ele gosta de você… Te acha divertido e inteligente para… você sabe, para uma pessoa!”
O sujeito riu… Devia ter uns trinta e lá vai um bocado, mas ria como um garotão.

Olhei para ele e encontrei um par de olhos nem claros nem escuros, algo entre o castanho e o verde. Era aquele tipo de olhar puro que… Bem, se o sujeito fosse uns 40 anos mais velho com certeza se pareceria com o Papai Noel. E me conhecia…

Perguntei “Como é?”, mas ele não respondeu. Começou a falar sobre as mulheres andando pelo calçadão e em como achava maravilhoso que elas não se preocupassem em usar protetor solar! Que ele estava usando, claro, mas adorava essa inconsequência juvenil, essa visão limitada que nunca enxerga a velhice até que ela chegue! Disse que, sendo Deus, nada o alegrava mais do que a juventude com todas as suas inconsequências e transgressões e que, se tivesse criado o Universo certamente seria para ver as explosões das estrelas, o choque de galáxias e o turbilhão do despertar da consciência.

E eu pensei “O cara é que virou um turbilhão verborrágico de palavras!”, mas não resisto a uma boa discussão teológico-filosófica!

“Pelo menos você seria um deus divertido!” eu dei corda.

“Eu não seria, Eu Sou! Seu amigo de botas não disse que você era distraído.”

“Se você é Deus não deveria precisar que alguém lhe dissesse isso, afinal você é onisciente.”

“EEEEUUUU? Quem te disse isso rapaz? Se eu fosse onisciente não precisaria existir pois já saberia de tudo e que graça há em existir se não for para aprender e descobrir coisas?”

Ele disse amigo de botas… Isso explica muita coisa… Para quem não sabe eu sofro desse delírio esquisofrênico, de que sou visitado de tempos em tempos pelo Gato de Botas… Será que achar que estou sentado conversando com Deus significa que estou me curando? Humm… Acho melhor continuar pensando que é apenas outro maluco que pensa ser Deus.

Disse a ele que as pessoas dizem que Deus é onisciente.

“Você acha que as pessoas entendem de Deus? Que toda minha complexidade pode ser explicada para pessoas? Aliás, para as pessoas de dois mil, cinco mil anos atrás afinal não me apresento como onisciente faz pelo menos uns… três mil anos… O que mais ainda dizem de mim?”

“Vejamos, onipotente… onipresente… Acho que é só isso… Ah! Criador do Universo, uns chamam de arquiteto.”

“Tá, já andei dando a impressão de ser onipotente e posso ter feito umas coisas que deram a impressão de onipresença. Eu era jovem… Mas”

Interrompi! “Como assim jovem?” Sei que pode ser perigoso interferir nos delírios de um louco, mas até um biruta sabe que Deus é mais velho que o Universo!

“Quer me deixar concluir?”

O cara deve ter ficado me olhando por uns 10 anos… Calados. Ambos calados… Uma nuvem deve ter passado porque ficou mais escuro. Comecei a temer pela reação de Deus…

“Dizer que eu criei o Universo é até uma falta de respeito! Você acha que o Universo é perfeito? Não acha que eu teria feito melhor se o tivesse projetado? E imagina a minha idade!!! Fala sério!!!”

Já não sei mais se foi só um delírio meu, mas ele riu… e quando riu o mundo pareceu ter parado e, apesar de uma brisa fresca, eu não ouvia mais nada.

Então ele parou de rir e eu estava sozinho… e não era mais meio-dia e pouco, já era noite. Diante de mim havia um Florim de ouro, provavelmente para pagar a conta de 29 cervejas e uma infinidade de salgadinhos que Deus e meu amigo devem ter consumido enquanto eu ficava ali congelado…

Natal e Ano Novo são épocas estranhas…