– Sabe o cara que mataram logo ali na Pompeu Loureiro? Aquele que levou seis tiros em frente ao clube quando subia na moto?
Ela comenta sem tirar os olhos da TV, estou de pé olhando distraidamente pela janela perdido em meus próprios pensamentos. Em um cantinho da minha mente o Gato de Botas – que até ali se dedicava a lamber as patas e esfregá-las no rosto – se deteve no meio do movimento e, com as patas para o ar, passou a ouvir… ainda que seus olhos acompanhassem o vôo de um mosquito ao redor do abajur.
– Sei, ouvi falar alguma coisa – respondo ainda meio distante.
– Pois é! Ele passeava com a cadelinha dele aqui na rua, uma Bull branquinha e amarela. Ele ‘tava sempre espancando ela…
Vejo o Gato voltar lentamente os olhos para a mulher que dava sua notícia tão inocentemente. Suas pálbebras se apertando contrariadas. Dos seus lábios rasteja com dificuldade um comentário que sai rasgado, áspero e feroz:
– Ah! Que bom!
Olho chocado para o Gato, uma vida que se perde é sempre uma vida que se perde, quer dizer… É muito rancor contra uma pessoa por tão pouco. Todas estas coisas estavam escritas bem claramente no meu olhar para o amigo de Botas que lança seu olhar inocente lá de baixo.
– Que foi? Eu não… gosto… de gente… que… bem…
A curiosa criatura parecia mais embolada em sua consciência do que costuma se embolar nas próprias patas quando se deita “confortavelmente” para dormir. Mesmo existindo desde sempre parece que compaixão ainda é um sentimento estranho para o pobre Gato…
– Se ele fosse bonzinho mais gente choraria por ele – É o que ele finalmente diz como se suspirasse, como um golpe de brisa que mal se sente.