Os carros saindo velozes e assustados da boca do túnel desenham riscos coloridos diante do menino sentado no meio do barro úmido no sopé da Rocinha. Um arco-iris de tons de azul, branco e negro até que um brilhante risco amarelo reluz por um instante fazendo o menino rir.
O forte vento do crepúsculo sobe então as ruelas espremidas entre barracos de madeira mal pregada que sacolejam frágeis ante sua passagem. Dentro de um barraco um homem rude, peão de obra forte e de rosto duro, dança desajeitadamente ao som de uma valsa imaginária. Atrás de uma janela um menino vê dragões cuspindo fogo sobre os espigões de São Conrado.
Sentada numa cadeira entre dois barracos uma mulher limpa as unhas do pé com uma faquinha imaginando que é uma condessa esquecida pelo seu cavalheiro errante.
A noite traz os espectros das sombras que descem lentamente o morro com seus pacotes de delírio nos bolsos, mas hoje eles também enxergam o que não está lá e descem o resto do caminho disparando tiros para o alto e gritando como moças.
O sopro da noite faz uma curva para o ponto mais alto da favela e encontra a imagem esquálida de uma menina, não mais que treze anos. Seus cabelos verdes, lilás, rosa e amarelo flutuam no ar como se estivesse imersa em água. Ela parece espetar distraidamente algo invisível no ar enquanto contempla circunspecta as luzes que se acendem na cidade.
Num segundo ela está só, no sequinte há uma bela jovem de cabelos negros ao seu lado…
– Kmo voxe mi axo? Ela pergunta sem olhar para trás.
– Não foi difícil seguir o vento… A cidade toda deve saber que você está preocupada!
– Ahuahuaahua! Eu naum tô axim naum! Só num tô filixxx! Tô Xintindo pirdida, mana e… Noxaaaa!! Puquê vc tá mi olhano ixim?
– Você tem mesmo que falar deste jeito?