Gatos são mesmo criaturas cheias de caprichos, principalmente os que falam. Em primeiro lugar eles sempre aparecem quando e como querem, depois sempre falam do que você preferia esquecer!

Ao menos uma vez decidi que eu daria as cartas, principalmente depois de testemunhar a situação daquele pobre homem ontem. Pois então fui até a beira da praia e comecei a desenhar na areia. Há desenhos que deixam os gatos irrequietos!

Não demorou muito e uma cauda peluda veio apagar meus desenhos. De soslaio pude ver as botas de couro surrado, e a sombra do grande chapéu.

— Ah! ? você! — Disse o bom amigo Gato genuinamente surpreso.

— É… Sou eu… Você não precisava ter maltratado aquele homem ontem. Ele estaria melhor na ignorância. — Pronto, estava preparada minha armadilha!

— Você bem o reconhece amigo! Eu só lhe disse a verdade, não foi mesmo?

Dizendo isso ele se sentou ao meu lado e passou a fazer com o seu florete os próprios desenhos onde antes estavam os meus.

— Pode ser, mas ele achava que estava tendo alucinações e só queria saber porque estava alucinando um gato e não um duende, um demônio ou, o que seria mais provável, um sucubus. Você poderia ter explicado a ele, não?

O Gato olha nostálgico para o mar além da arrebentação onde, apesar da chuva fina que cai, um rastro de luz da lua se reflete nas águas encapeladas e escuras. Quando responde é como se falasse sozinho, com se lembrasse de um livro lido há muito.

— É muito mais fácil encarar a realidade se ela vem vestida com uma imagem fantasiosa, uma ilusão infantil que cubra a verdade de um véu de alucinação que depois pode ser usado para rejeitar a verdade e voltar a viver na fantasia adulta…

Sua voz era um sussuro, quase não escutei. Então ele se virou para mim com seus olhos grandes e brilhantes, o seu sorriso mais matreiro emoldurava seu rosto mostrando os dentes finos e afiados. Levantando a pata esquerda e expondo sua garra retrátil ele coça sob o queixo e me diz rindo:

— Eu sou um gato porque gatos são mais elegantes, inteligentes, sensíveis e são líderes natos! Esta garoa não faz bem aos meus pelos! Fique ai se quiser um resfriado, eu vou indo!

Quando ele parte andando feliz pela areia deixando pegadas onde parecem brilhar estrelas ainda ouço sua voz uma vez mais, novamente um sussuro.

“E, claro, temos bons olhos para ver no escuro e no claro, neste e no outro mundo”