É uma pena que o cotidiano perca sua dimensão mágica pela força do costume que torna trivial tudo que vemos todo dia. A família que vive sob a marquise da loja de tecidos e a esquina escura do bairro envelhecido que surge repentinamente diante dos olhos povoada por meia centena de pessoas embaladas ao som de um samba ao lado de uma kombi velha que vende cachorros quentes.
Nas manchetes dos jornais, nas novelas e na desesperança popular vemos as linhas de um povo que já não é tão hospitaleiro, de gente que vive a vida dos interesses e da malícia. Felizmente existe a jornada de Frodo e Sam, mas será que amizade assim só no meio de magos e elfos numa terra fantástica?
Assim como a matemática descreve os fenômenos físicos a mitologia é a linguagem para descrever os fenômenos da alma, a Terra Média existe, o anel foi forjado e temos que carregá-lo. Cabe-nos decidir que personagens seremos. O Gollum que foi dominado pelo mal e não é mais capaz de ver e estar entre o bem? Frodo que, mesmo cercado pela sombra luta pela esperança e fé?
Enquanto a Terra Média é coberta pelas sombras da guerra o condado persiste em sua ingenuidade, alheio ao mal.
Volto a olhar ao redor e vejo gente alegre reunida, a comilança dos hobbits, as piadas ingênuas, os amigos deitados lado a lado envolvidos nos planos de trabalho, os carinhos inocentes, uns jogam, outros conversam.
Não quero, mas afasto meus olhos, procuro ver mais de cima e esse mundo mágico se torna um retalho colorido e ainda novo na imensa colcha de retalhos que é nosso mundo de milhões. Olho e me pergunto quantos outros retalhos como este posso ver? O que aconteceu com aqueles que agora estão velhos, encardidos e cinza? Agarro-me novamente a este pequeno retalho, a Rivendel real, o condado acolhedor e rogo que a luz dos vinte e poucos anos não se apague nunca destes olhos que me fitam!