Dois mil e oito dei meus primeiros passos naquele lugar ainda me sentindo deslocado. “Será que ninguém fala comigo porque estou fazendo algo errado?”. Era a sensação que eu tinha desde criança quando ia a festas e chegava antes de quem eu conhecia ou onde eu conhecia pouca gente.

Assim foram meus primeiros dias no Twitter. Claro que era apenas a questão de sempre, de ir se enturmando.

Hoje, depois de receber a notícia que a empresa simplesmente não existe mais, que foi absorvida pelos delírios de um déspota fixado em uma fase infantil qualquer, senti de verdade o que temos percebido dia-a-dia nos últimos meses: o nosso cantinho deixará de existir

Claro que já passei por muitos finais nos meus 30 anos de vida online: teve os BBS, o IRC, antes do MySpace teve o Six Degrees, teve também o Multiply em algum ponto, em 2004 o Orkut, sem falar em Photolog, Tumblr e até Google Wave! É… Sou um veterano ou dinossauro desse mundo, né?

Todos eles foram terminando, mas eram, digamos, mortes dignas. Assim como points do mundo offline eles iam sendo substituídos por outros lugares mais atraentes por algum motivo e que acabavam atraindo as turmas mais legais.

Era uma época da Internet também em que, ainda que o lucro sempre fosse um objetivo, as empresas demonstravam alguma paixão em construir algo novo para conectar as pessoas e era legal desbravar esses novos points.

Foi nesse contexto que surgiu a minha rede favorita de todos os tempos! O Twitter. Vivi muita coisa lá!

O que vivi no Twitter

Teve aquela vez em que um dos robôs da Nasa tuitou que estava nevando em Marte e que já já ele diria de que era a chuva! Foram duas horas sem trabalhar direito até que ela decretou que tinha água na neve! Isso deve ter uns 15 anos!

Também teve o dia que alguém tuitou “que estranho, deu uma tremida aqui no meu apê! Será que passou um comboio de caminhões na rua?” e logo dezenas de outras pessoas começaram a comentar que também tinham sentido um tremor de São Paulo a Minas Gerais etc. Eram os reflexos de um grande terremoto lá do outro lado do continente, no Pacífico.

Eu estava comendo cone de peixe crú numa rua de Copacabana quando chegou a notícia do veículo indepentente: Michael Jacson moreu!

Naquele tempo a gente jogava no Twitter: Gente! Cinema amanhã? E juntávamos 30 pessoas para fazer uma grande zona depois do filme. Tinha briga de namorados em público online. Tinha mobilização para ações sociais como nas edições do Twestival.

Em 2013, quando o povo brasileiro, pelo bem ou pelo mal (isso é assunto para o Meme de Carbono), passou a se mobilizar nas ruas para protestar, foi pelo Twitter que as pessoas conseguiam se organizar para evitar a violência do Estado contra as manifestações. Lembro bem de um 7 de setembro em que fui seguindo logo atrás da polícia para ver o que estava acontecendo graças às informações pelo Twitter.

E as enchentes no Rio de Janeiro? Quantas vezes as pessoas conseguiram ajuda ou dicas de onde se abrigar graças a estranhos no Twitter que despejavam #tags com informações?

Por um tempo os eventos, qualquer evento, acontecia simultaneamente offline e online! Enquanto o palestrante falava muitas vezes tinha um telão ao lado com o diálogo paralelo da audiência incluindo novas informações, fazendo correções e comentários.

Teve uma vez que o Jimmy Wales (criador da Wikipedia) veio fazer uma palestra na Oi Futuro na Tijuca (era um point cibernético que existia nas duas realidades, online e offline) e o pessoal o chamou pelo Twitter para um chopp depois. Ele foi.

Nas Campus Party, outra saudade, metade das telas mostrava o Tweetdeck rodando freneticamente reunindo as 6 mil pessoas de diversas tribos em um lugar só. Tinha de novas amizades surgindo a empréstimo de desodorante e recuperação de itens perdidos.

Certa vez a luz caiu. Olhei para a rua e estava tudo apagado. Tuitei “Gente! Tá faltando luz aqui no posto 6!” e logo foram pipocando outros comentários “Acabou na Tijuca!”, “Olha… Sem luz aqui em BH também!”. Foi o início da temporada de apagões nacionais.

A gente sabia de tudo antes pelo Twitter. Até no dia que fomos na praia assistir ao vivo no telão o resultado da escolha da cidade para os Jogos Olímpicos, vimos no Twitter segundos antes de chegar pelos sinais de satélite e ninguém entendeu na praia como mais ou menos 30% das pessoas souberam antes de chegar o sinal ao vivo e comemoraram.

O Twitter sempre foi uma rede de informação, mas o mais especial nele era mesmo o contato com amigues! Ferramentas para ajudar a organizar eventos com as pessoas se multiplicavam. Bastava abrir um Twitpool com os dias melhores para ver uma certa peça de teatro e dois ou três grupos se juntavam nos dias que eram melhores para eles. Às vezes ia todo mundo no mesmo dia surpreendendo os organizadores dos eventos “de onde veio tanta gente ao mesmo tempo? “.

Nunca estávamos sozinhos. Sempre tinha alguém acordado pra apoiar nosso momento de desilusão, muitas vezes até saindo de madrugada para ajudar a afogar as mágoas ou fazer um descarrego no mar de madrugada.

Uma outra vez uma amiga, que viajava sozinha pela Argentina, tuitou que tinha dado ruim com o hotel e ela estava na rua e já estava anoitecendo. Não deu uma hora e ela já estava abrigada em algum lugar, não lembro se na casa de alguém ou algum hotel que as redes de contatos se mobilizaram para arranjar.

O que era o Twitter, o que está virando :-(

É isso! Redes de contatos!

Ainda outro dia um amigo (acho que o Cassano) chamou a atenção para a diferença entre redes sociais e mídias sociais.

Teve um começo de aproximação quando as empresas começaram a criar perfis e personas online e vimos nascer o Leitor Voraz, que era um perfil mantido por uma agência de marketing digital para vender propaganda para editoras. Teve o surgimento do pinguim do Ponto Frio (outro que meio que morreu virando “ponto”, coisa sem graça), da árvore do Bradesco… Alguns eu conhecia pessoalmente e era uma relação saudável no começo. As agências de marketing digital entendiam sobre respeito ao consumidor andando ao lado deles e não se infiltrando nos algoritmos, que nem existiam naqueles tempos, para se infiltrarem em nossas cabeças.

A rede social foi virando mídia social.

Depois dos algoritmos vieram os titeiros que alimentavam polêmicas, seduziam influenciadores (o termo nem existia ainda) para fazerem o trabalho cada vez mais eticamente questionável até virar mesmo trabalho sujo de espalhar ódio e desinformação.

O Twitter nunca tinha dado lucro e isso era um alerta de perigo, mas tantas coisas são mantidas online por décadas sem dar lucro, né? E eu tinha uma vã esperança dele virar algo como o Signal, que é mantido pela sociedade e não visa lucro. Não rolou.

Veio o Elon Musk, comprou a empresa e começou rapidamente a transformá-la em algo ainda pior que uma mídia social. Passou a fazer dela um parque para causar polêmicas, tornou-a agradável e aprazível para todo tipo de intolerante a tal ponto que o Twitter só perde para o YouTube e para o Telegram como ferramenta para espalhar ódio, desinformação e preconceitos.

E agora?

Pessoalmente eu gostaria que o Mastodon, uma rede descentralizada e mantida pela própria sociedade livre de objetivos comerciais, se tornasse o novo Twitter, a nova rede social para comunicação coletiva em tempo real capaz de criar um espaço de integração social e não de desintegração.

No entanto as pessoas ainda não migraram para fora do Twitter. Ainda alimento a esperança de uma morte digna para ele, que em algum momento aconteça o movimento coletivo porque surgiu uma rede social melhor.

Muita gente espera ansiosa pelo BlueSky, que é um clone do Twitter com uma tecnologia similar à do Mastodon, mas com políticas de privacidade parecidas com as das mídias sociais como Facebook e o próprio Twitter: Vamos coletar suas informações e vender seu poder de consumo e de voto (nas entrelinhas, claro).

Enquanto não acontece vivo um tipo de vácuo meio inédito apesar de sempre ter sido um “early adopter”: sinto que a rede Twitter morreu e ainda não surgiu outra.

Mais um pouco de nostalgia

Lembrei dos tempos que a gente, os cidadãos da cidade Twitter, inventamos o RT, que era um RT no início da mensagem seguido do @ de quem fez o tweet original mesmo, as #tags e até a referência com a @ antes do nome. As DMs também surgiram por pressão da gente.

Um monte de “tendências” que hoje muita gente nem save de onde veio nasceram lá, como o TBT que agora é comum nos Instagrams da vida.

Tem as dancinhas, mas isso não foi a gente que inventou não, foram os anos 80 ;-P

Os emojis foi a gente que inventou também, mas muito antes, nos tempos dos BBS e do IRC ;-P

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A sensação de estar em um espaço que se esvazia olhando só para o futuro incerto (um pouco exagerado, eu sei, mas tô mesmo me sentindo assim, perdendo o ponto predileto de encontro e socialização).

Foto de Alexandr Bormotin na Unsplash