“O que tá acontecendo na cabeça das pessoas que até já perderam parente e amigos na pandemia e agora aparecem em festas e restaurantes com um monte de gente e dizem estar seguindo ‘todos os protocolos’? Todo mundo sabe que o principal protocolo é não aglomerar!”

Todo dia uma publicação assim passa pelas minhas timelines, geralmente mais de uma vez.

O que está acontecendo que para todo lado parece que as pessoas decidiram ignorar a realidade?

Fiquei pensando em como vivem as pessoas em áreas de conflito em que a qualquer momento pode cair uma bomba em seus prédios? Mas nesse caso elas não podem fazer nada para se proteger já que muitas não tem como fugir.

Então pensei em quem viveu as duas Pestes na Europa, uma situação muito parecida com a atual, todavia elas não tinham como entender o que estava acontecendo, o que propagava a doença e muito menos tinham como desenvolver remédios… Bem, muita gente hoje, perplexa depois de anos sendo colocadas em alerta e medo constante e com uma sensação crônica de impotência, também não está preparada para entender a pandemia.

Contudo, foi na Piada Mortal, a HQ do Batman com o Coringa, que se apoiava em um significado que também foi reproduzido no Coringa Heath Ledger, que encontrei um paralelo mais útil.

O que nos separa dos que tapam os sentidos e a razão é um dia ruim… E temos tido meses, anos, alguns décadas.

A foto que ilustra o post foi tirada na Nicarágua, mas poderia ser em praticamente qualquer país do mundo, talvez com em um cenário diferente, mas retratando uma realidade onde a vida não tem perspectivas e perde o valor restando-nos viver o que temos para hoje.

Lembro de Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus (quer conhecer a fundo? O Vá ler um livro tem uma playlist de Carolina Maria de Jesus até com leitura conjunta) e da rigidez e crueldade da vida do povo pobre no Brasil do século XX.

Pode parecer que o jovem “privilegiado” (que na verdade apenas tem o que todos deveriam ter) que se arrisca nos excessos tóxicos, de estripulias em lugares perigosos, em festas da covid é diferente do povo a que não é dado sonhar com o futuro, mas o dispositivo talvez seja muito mais próximo do que parece a princípio.

Enquanto a uns não é dado o direito mínimo de respeito, trabalho, lazer, cultura, moradia, educação, segurança, os outros vivem no vazio do ter onde nada são, cujas vidas não valem pelos ecos das experiências se propagando por suas consciências, mas somente pela experiência em si, presa num momento que poderia ser completamente capturado em uma foto: “Aquele dia que me pendurei no 30º andar e todo mundo disse que era loucura”.

O que será vivido em 10 anos não tem qualquer significado, só o a festa de amanhã que trará a sensação imediata de prazer e o prazer é existir no espaço entre dois segundos, entre duas gotas da chuva que cai preguiçosa. A vida é efêmera.

E o sofrimento que virá em uma ou duas semanas? Ora! Quem se importa? Se tudo não passa de fragmentos de tempo efêmero quem liga para uma chance em 100 de passar mal se “já passo mal todo dia e vomito o álcool e a comida da madrugada antes que o sol termine de nascer”?

É como a saturação dos sentidos, o ruído de fundo que já não ouvimos ou mesmo o cheiro fétido a que nos acostumamos, a normose, a doença de normalizar o que não poderiam ser considerado normal como nos fala tantas vezes o canal Normose.

Batman ou Coringa, qual deles seremos? De que forma cederemos à loucura? Ou não cederemos? É ao menos possível não ceder vivendo no que talvez seja a maior ruptura que a civilização sofreu?

Não! Eu não estou falando dos fascistas ou proto-fascistas ou o que quer que lhes chamemos. Eles vem e vão, falo do fim da era dos átomos e a necessidade de uma era da informação em que dados, informação conhecimento, sabedoria, conteúdo são a base da economia ou mesmo de uma “desconomia” sem moeda e, paradoxalmente, do fim da cultura digital e a inevitabilidade de uma era analógica onde rótulos e estereótipos não servem mais de guia e, além do nosso gênero, nossa própria consciência se torna fluida, não binária neurodiversa, mas tudo isso é assunto para o Meme de Carbono, onde quase coloquei esse post…

A pergunta aqui é como encontrar o caminho entre o Batman e o Coringa, entre duas loucuras cartesianas, rígidas, frias. Como construir a sua identidade, ou melhor, como lidar com a desconstrução e fluidez do que um dia entendemos como identidade ao mesmo tempo que o mundo parece exigir que o transformemos?

Ora, pois… A sensação que a Rede nos dá, de que nossa voz ecoará por todas as frestas do mundo, como se, só porque bilhões de pessoas podem ler esse post todas elas fossem lê-lo.

A verdade é que o potencial da nossa voz não se realiza, mas isso não é ruim! Seria uma responsabilidade para a qual ninguém tem preparo psicológico, emocional ou racional para enfrentar!

Cada palavra que você joga na Rede causa, claro, um efeito, ondas quase imperceptíveis que se encontrarão com outras ondas se transformando.

Jogue suas gotas nesse oceano e pense sempre “essa é uma gota positiva? Ela está imbuída de empatia, respeito, cuidado, sinceridade, vem de ecos de outras gotas formando uma linha de pensamentos baseados na realidade?”. Isso é essencial e nunca sabemos onde essas gotas podem ir…

Mas sejamos racionais e saibamos que é primeiro dentro de nós que está nossa grande missão, em construir a empatia, respeito, contato com a realidade e tudo o mais que transbordará nas gotas que entregamos quase inadvertidamente ao mundo. E nossa obrigação é com as águas ao nosso redor, aquelas que nos tocam: viver o próximo e entregar nossos ecos para o distante.

Esse post nasceu de um momento de devaneios com a minha esposa, que dá muito mais ao mundo que eu (ela entrega sonhos, vidas e representatividade para milhares de leitores das suas traduções) e ficou ecoando ao longo do dia. Não sabia onde iria e ainda não sei onde foi ou mesmo se termina nessa…

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