Advertência: Este post reflete um pouco do impacto em mim da crise da pandemia de SARS-CoV-2 e pode incomodar a quem já está sofrendo ansiedade por ter que lidar com as notícias. Se for seu caso recomendo a página antiansiedade sobre a covid-19.

Fiquei um tempo parado olhando para o infinito em busca de um título. Estamos em quarentena há mais de 30 dias. Ficaremos ainda por um número indefinido de dias, então que título dar aos posts escritos enquanto todos os dias são mais ou menos a mesma coisa?

O ritmo de tudo está lento, passam vários dias e acho que sou o mesmo, que ainda estou em um tipo de suspensão dos sentimentos pois racionalmente sei que não há uma normalidade à qual voltar e que serão muitos meses até que consigamos criar uma nova normalidade ou nos acostumar à anormalidade que viveremos continuadamente.

Então tenho a impressão de que não conseguirei escrever a cada poucos dias um novo post com um título que reflita minhas transformações, meus estados de espírito, as perspectivas com o mundo que vai se transformando.

Então me veio a imagem do ocaso, o momento que sabemos que o Sol já se pôs, mas sua luz persiste, às vezes parece que está persistindo por tempo demais… Um ocaso em altas latitudes onde ele dura meses… É… Essa é a sensação que tenho há dias!

É como estar indo pela primeira vez para a borda da realidade, onde acontecem auroras boreais, e estranhar que o Sol simplesmente esteja se pondo há dias sem jamais realmente nos deixar, mas anunciando que, quando o fizer, será uma longa, longa noite. Ou pior! Será um ocaso sem noite que nos assombra com a possibilidade de ser a nova ordem mundial, o ocaso constante.

Agora, no Brasil, é fácil se sentir assim, afinal a epidemia ainda caminha no limiar da nossa percepção. É a mãe de uma amiga que esteve hospitalizada e voltou para casa, uma família de amigos com muitos profissionais da saúde que alertam já faz um tempo que a situação nos hospitais já está tensa… Mas a gente não vê nada na rua além de bem menos gente que de costume (metade, dizem, mas tinha que ser menos de um terço, dizem também).

Sou tomado de surpresa pela memória de um som. O rugir distante de ondas em ressaca… Acho que dos tempos que eu passava férias em Cabo Frio e o rugido do mar avisava que, se não saísse logo daquele pequeno apêndice da costa logo ficaria preso, afastando do continente por um oceano rude e vasto.

Queria em um único post recuperar todo o tempo passado e ainda estender os olhos para o futuro. Acho que é ansiedade que chama.

Não sou uma pessoa ansiosa. Não estou me sentindo conscientemente ansioso com a realidade que temos vivido ou mesmo com a perspectiva dos desafios adiante. Além disso estou naquela pequena camada da sociedade que na verdade não tem muito a temer, para quem não devem faltar os recursos básicos à sobrevivência e até alguns luxos, mas basta ter uma vaga consciência das dimensões das mudanças que temos pela frente para sentir pelo menos aquela batida oca no fundo do peito de vez em quando.

É… Conscientemente ou não, devo estar sofrendo alguma ansiedade e a página anti ansiedade que citei lá em cima é para mim também, uma forma de domar com informações e conhecimento o medo natural de futuros que ainda não temos ferramentas para prever.

Passei um tempão sem escrever aqui. A pandemia do SARS-CoV-2 não é a primeira a nos atingir, antes, desde 2014 mais mais ou menos, teve a do medo crescente de monstros invisíveis e imaginários alimentados pela perplexidade diante de uma realidade cada vez mais complexa que nos deixou vulneráveis aos arautos do desespero que foram amarrando nossas pernas ao fundo do pântano da desesperança. Eu devia ter persistido… E nem vou usar como desculpa que eu vinha escrevendo mais nos Facebooks da vida porque, quando um blogueiro acredita no que escreve (no sentido de achar que merece ser escrito) ele o faz no seu espaço.

Está na hora de voltar a registrar, pelo menos algumas vezes por semana, o que está acontecendo dentro e fora de nós.

Veja só… Ia contar que há dois dias fui à rua depois de passar 15 dias cravados dentro do apartamento, mas fui tomado de assalto pelas sombras alongadas do ocaso. Além do mais… Acho que ainda não entendi bem como me senti indo à farmácia para comprar o remédio que está perdido nos correios e no banco para fazer uma transferência entre contas que, até poucos dias, só podia ser feita em cheque na agência e, parece, agora vai pelo aplicativo… Pera… É… Não compensou ainda, mas pelo jeito vai.

As coisas pequenas viraram incógnitas e talvez até seja uma distração pensarmos nelas para não pensar no grande ocaso.

Só sei que racionalmente entendo que o mundo terá que ser outro… Aliás, não terá como não ser outro depois dos próximos meses que já estão definindo novas estruturas de produção, convívio social, saúde pública, colaboração global… Enfim… O que não nos falta é realidades novas a tentar entender, antever, nos preparar para viver nelas…

Fonte da imagem: Photofanatic1 via Creative Commons