Há cerca de uma semana a Google lançou um navegador desenvolvido  por ela, o Chrome.

Em 24h mais de 14 milhões de cópias foram baixadas quebrando o recorde de 8 milhões do Firefox 3 e em uma semana quase 3% da navegação brasileira era feita com ele colocando-o como o terceiro navegador mais usado (atrás apenas do IE e do FF).

São números surpreendentes.

O zunzunzum é inevitável! A maioria das pessoas o compara com os melhores navegadores do mercado (Firefox, Opera e Safari) muitas vezes se decepcionando enquanto os mais geeks arregalam olhos faiscantes de admiração.

Tenho a impressão que esse lançamento visava justamente os geeks, mas o apelo hipnótico da marca Google derrubou as fronteiras, o que é bom… De certa forma todo mundo está virando um pouco geek.

Ainda assim achei necessário explicar para as pessoas menos “digitalizadas” o que é o Chrome, porque a Google o lançou e o que podemos esperar dele.

O que é o Chrome?

Ele é o que eu chamaria de navegador-conceito. É uma ideia a ser usada em todos os navegadores, uma proposta de caminho a seguir. Não creio que ele tenha sido planejado para ser o seu navegador oficial, mas sim para ser um tipo de miolo ou mecanismo por baixo das futuras versões do Firefox, Safari e Opera (a Microsoft não deve ter interesse nos recursos que ele implementa).

A propósito ele não é de todo novo. O próprio núcleo dele é algo chamado webkit, também usado no Safari da Apple

Porque um novo miolo?

Por baixo de todos os impressionantes recursos dos navegadores existe um miolo (engine, mecanismo) que foi criado para mostrar páginas com texto, imagens e, mais tarde, som, vídeo, animações 3D etc.

Hoje a Internet é algo muito diferente. Ela se tornou literalmente um computador e com seu navegador você pode rodar programas de planilhas eletrônicas, edição de textos, gerenciamento de projetos, organização de tempo, edição de fotos… Dá uma olhada nos meus favoritos de Webapplications para ter uma vaga ideia.

Chegamos a um ponto que é necessário mudar o mecanismo interno dos navegadores para que possamos fazer aplicativos ainda mais poderosos e ricos em recursos. O Chrome entra como um tipo de ameaça: Se vocês não construírem um alicerce melhor para a era do conhecimento, nós o faremos.

Porque foi lançado para Windows antes?

Muitos não sabem, alguns esqueceram, mas a Internet era e continua sendo um grande problema para a Microsoft. Na década de 90 ela usou todas as suas armas para destruir a Netscape com o único objetivo de impedir o surgimento de uma Internet que pode ser acessada sem Windows, ou você acha que ela distribui o Internet Explorer de graça por mera vaidade?

Os lucros e poder da Microsoft estão em ser a porta de entrada do mundo cibernético para 90% das pessoas e o século XXI é 80% (ou mais) cibernético.

As empresas que vivem da Internet são inevitavelmente inimigas da Microsoft (entre elas o Google, a Facebook, a Yahoo! e até a IBM).

Quem usa Linux ou Macintosh (da Apple) já não usa Windows, já é um internauta livre e não precisa ser cooptado.

Se navegador é grátis por que essa concorrência?

Já expliquei acima, mas tem gente que vai pular direto para cá e essa é uma das perguntas mais recorrentes assim como esse mistério do software gratuito.

Há dois tipos de programas gratuitos totalmente diferentes.

O primeiro (mais antigo) é o programa distribuído de graça, muitas vezes como cortesia, outras para atrair o usuário para outros produtos da companhia e, no caso do Internet Explorer, para impedir que o usuário deixe de depender do Windows.

O segundo tipo é muito mais do que gratuito, ele é open source, ou seja o código, a receita, para criar o programa é compartilhada com todos. Um aplicativo open source é propriedade da humanidade e não de uma empresa ou grupo de pessoas. Tanto o Chrome quanto o Firefox são produtos open source.

Quem desenvolve esses aplicativos não tem lucro direto com seus produtos e no caso específico dos navegadores o grande interesse é criar uma Internet onde o software seja completamente livre e os lucros sejam obtidos com a venda de serviços (e propaganda) que é o modelo de negócios dessas empresas: quem paga pela Internet não é o Internauta, mas as empresas que tem interesse em atingir esse mercado consumidor.

O grande inimigo é a Microsoft cujo modelo de negócios é outro, ela vende CDs para as pessoas que acessam a Internet e usam computadores. Note que são modelos opostos e excludentes: um precisa de computadores e programas gratuitos para atingir mais gente e vender serviços e a outra precisa vender o Windows, o Office e outros programas pelo maior preço possível.

A concorrência portanto não é em torno dos navegadores e sim em torno de um modelo de ciberespaço em que você paga para ter acesso (Microsoft) e  outro em que as corporações pagam para que você tenha acesso…

Alguém aí torce contra o segundo modelo e a favor do primeiro? Não creio…

Devemos ter medo da Google?

Ainda não…

A Microsoft respondeu por um processo anti-truste na década de 90 por ter usado sua influência para destruir empresas como a Netscape, Intuit (que quase revolucionou o acesso a bancos), a Lotus (que tinha a mais incrível planilha eletrônica jamais feita) e meia dúzia de outras empresas inovadoras que ameaçavam seu monopólio.

Tomo a MS como exemplo (poderia pegar a IBM) simplesmente por ser o caso mais recente e ainda ser uma participante importante do quadro atual.

A MS exercia seu poder de uma forma muito simples: sempre que aparecia algo novo que pudesse ameaçá-la ela ia até as empresas que faziam computadores (Compaq, Dell, IBM) e diziam “boicote nosso inimigo ou cortaremos seu suprimento de Windows”. A IBM foi a única que tentou enfrentá-la com o OS/2. E falhou… Ainda bem, diga-se de passagem pois, mesmo o OS/2 sendo fantástico a IBM certamente seria um monopólio mais cruel.

Agora pense na Google.

Qual é o poder de coação que ela tem?

A Google pode impedir os usuários de uma determinada marca de computador de acessarem seus serviços?

É claro que ela pode criar produtos similares (como a MS fez com o IE e o Money) e fazer guerra de propaganda, mas isso seria rapidamente percebido e o cidadão moderno é mais difícil de enganar. Talvez ela possa até manipular o sistema de busca para que ninguém mais encontre o site da empresa inimiga, mas isto pode ser um tiro no próprio pé e não parece necessário por enquanto.

Por enquanto acho duvidoso que a Google tenha interesse ou mesmo meios para sufocar empresas inovadoras (como a Zoho) usando outra arma além do poder hipnótico da sua marca, mas devemos ficar atentos.

Então, como fica o Chrome?

Use por curiosidade, use se você não usa nenhuma extensão do Firefox, use se ainda usa o Internet Explorer, use para ver algo rapidinho como um email ou o mapa do seu destino, mas em geral ele não é um navegador para usar o tempo todo.

Mais cedo ou mais tarde o Chrome, ou algo bem parecido, estará escondido debaixo do seu navegador, mas até lá sugiro que você continue com o Opera, o Safari ou o Firefox.

P.S. Será que só eu achei o logo do Chrome claramente inspirado no velho Genius da década de 80?