Meu pai passou a infância em Realengo. Isso foi no fim da primeira metade do século passado. Fui lá poucas vezes nos anos 70s e 80s. Depois disso só agora tive contato novamente com o bairro. À distância, mas deu para perceber como o bairro mudou.
É importante ver que Realengo é mais do que um bairro na periferia do Rio de Janeiro. É um exemplo de progresso pois, no meio da dor e da tortura da mídia, vi um bairro que cresceu muito desde a última vez que estive lá. Vi uma gente que demonstrou cultura e sabedoria para não se entregar ao desespero e ao ódio diante da tragédia que caiu sobre eles e poderia ter caído sobre qualquer um de nós.
A cultura e a sabedoria são instrumentos essenciais para transformar nossa realidade, para suportar melhor as dores do presente e transformá-las (ou superá-las) e construir um futuro melhor.
Infelizmente a mídia não tem demonstrado a mesma cultura e sabedoria que vimos na maioria das pessoas entrevistadas nos primeiros dias e, em vez de nos ajudar a entender o que aconteceu, nos joga em um tornado de perplexidade.
O rapaz que atacou a escola tinha várias características
- Falava em religião
- Provavelmente sofria de esquizofrenia
- Era solitário (não tinha amigos e não falava com a família)
- Passava tempo no computador
- Gostava de jogos violentos
- Sofreu bullying na escola
No entanto alguma dessas características sozinha implica em um futuro assassino? Ou mesmo todas elas juntas bastam para que a gente tenha razão para temer ou ter raiva de pessoas que as apresentem? Mais importante ainda: isso nos ajudará a diminuir as possibilidades de acontecer de novo?
A resposta ao meu ver é que não. No afã de fazer artigos que prendam as pessoas pela emoção e vendam mais revistas e jornais estamos perdendo a chance de pensar em como honrar a perda dessas vidas tão preciosas! Treze pessoas mortas…
Conto treze mortes pois, por mais difícil que seja, devemos contar o assassino como uma perda. Ter ódio de pessoas como ele (ou quebrar a casa onde ele morou como alguns tem feito) não nos ajudará a identificar e tratar de outros que podem surgir.
O que nós queremos é ajudar essas pessoas a não chegar ao ponto que esse rapaz chegou. De nada adianta sentir ódio por eles depois que fomos incapazes de ajudá-los.
E quem poderia ajudá-los?
Esse é um grande desafio para a nossa sociedade… Bem, querer ajudar quem tem uma consciência tão obscura distorcida é o primeiro desafio.
Em escolas que mal conseguem prender a atenção dos alunos, em uma sociedade onde o bullying é considerado engraçado (basta ver as comédias na TV e piadas entre adultos) e uma cultura que não valoriza o exercício de conhecer as próprias emoções encontramos um vazio onde deveriam estar pessoas preparadas para reconhecer os distúrbios mentais que podem levar a desastres como esse e tratá-los.
Está se falando em restringir acesso às armas (e, francamente, acho que a humanidade não devia fabricar armas e ponto final), mas isso não impedirá o surgimento de outras pessoas como esse rapaz.
Fala-se também em aumentar a segurança em escolas, mas, é óbvio, isso também não impede que nossos irmãos desenvolvam distúrbios mentais (e não acho que uma escola deva ser um forte, ela deve ser um parque).
O que pode melhorar nossa sociedade são mudanças de paradigma como:
- Ria com os outros, nunca dos outros
- Quando rir de alguém que seja de você, isso até ajuda a não considerar nossos problemas maiores que nós mesmos
- Crianças disputam poder naturalmente (são os instintos animais), mas é nossa obrigação como adultos ajudá-las a se manter longe da crueldade
- No mundo animal o mais forte prevalece, no mundo humano quem consegue estabelecer boas amizades consegue construir uma boa vida: ninguém precisa prevalecer
- Primeiro nas escolas, depois nas empresas e atendimentos públicos temos que ter psicanalistas treinados não para caçar doenças, mas para nos ajudar a crescer intelectual, moral e psicologicamente. Eles também poderão identificar os raros (menos de 3% segundo ouvi) de casos sérios de distúrbio psicológico
- Seja como for, não cabe a mim, a você ou qualquer outra pessoa sem treinamento psiquiátrio e acesso à pessoa, julgar quem é e quem não é normal.
Este artigo é apenas uma voz fraca perdida na multidão de corações perplexos diante da dor por isso é importante que, se você concordar com ele, procure multiplicar essas ideias. Discuta-a com amigos, parentes, outros pais, diretores de escolas e professores. É lá, na escola, que tudo começa, tanto o problema quanto a solução.