Já havia decidido falar sobre isso aqui então resolvi aproveitar a minha resposta ao email. Aqui vai ela.

Creio que um dia de luto não mudará nada. Uma semana de luto também não.

Um mês de luto quebrará nossos espíritos pois esse luto de certa forma não é pelo menino que foi assassinado com chocante indiferença, é um luto pelo colapso dos mais básicos sinais de humanidade. É um luto que nos conduz ao desespero

Quando vemos o descaso com as leis já que reina a impunidade, estamos diante de um problema que pode ser resolvido pela lei.

Quando estamos diante de pessoas que arrastam uma criança por quilômetros sem o menor sinal de consciência não estamos diante de um problema que pode ser resolvido pelas leis, estamos diante de um sério sintoma de doença social.

Um câncer. Esse crime é como um tumor causado por um câncer generalizado e atacá-lo com aumento de penas e rigidez das leis é como esperar que os tumores apareçam para tirá-los.

O câncer é a doença do ódio e apenas com o desenvolvimento de um espírito capaz de compreender e sublimar o ódio é que podemos realmente curá-lo. Do contrário nossa vida se limitará à espera da morte enquanto arrancamos com mais ódio os tumores que afloram.

Temo que estejamos longe desse tipo de compreensão e, ao ver um crime revoltante como esse, levantemos bandeiras como esta:

É preciso que nós, brasileiros, que pagamos impostos e cumprimos com nossas obrigações, tenhamos leis que nos favoreçam e não aos bandidos

Dito por aí…

Alimentando o ódio que separa as pessoas em dois grupos: as boas que pagam impostos e as más que não pagam.

Embora eu nem mesmo seja cristão duvido que exista dois tipos de humanos. Paguem impostos ou não, cometam crimes ou não; são humanos mesmo que demonstrem um comportamento desumano…. Dividir os humanos em dois tipos de humanos, seja brancos e negros (junho/2020: me refiro ao racismo que nos dividiu assim culturalmente), de bem ou de mal, também é desumano.

Estamos, portanto, diante de duas desumanidades. Uma de pessoas como os que arrastaram o pequeno João por 4 quilômetros, outra que nos leva a ignorar a doença social que acomete a humanidade tentando escondê-la com o rigor da lei e demonização dos facínoras.

Demonstrar nossa indignação e manter luto é fácil, mas temo que apenas alimente ainda mais o câncer que nos atingiu. O câncer do medo, do ódio, da indiferença.

Acredito que, se desejamos um mundo sem esse tipo de violência temos que arregaçar as mangas e, diariamente, buscar os remédios para o nosso mundo em vez de maldizer suas mazelas.

  • Temos muita poluição, digamos sim ao consumo consciente, à simplicidade voluntária e a hábitos mais saudáveis;
  • Temos muita violência então digamos sim à busca de aprimoramento pessoal no lugar da busca pelo prazer, à justiça social para quem paga e quem não paga impostos, à cultura, à arte e à compreensão de que, a despeito de tudo, somos todos igualmente humanos;

Imagem: Wikipedia