Advertência: Este post reflete um pouco do impacto em mim da crise da pandemia de SARS-CoV-2 e pode incomodar a quem já está sofrendo ansiedade por ter que lidar com as notícias. Se for seu caso recomendo a página antiansiedade sobre a covid-19.

Essa foto aí foi em 8 de março de 2020, a última vez que saí calmamente de casa para ver a vida lá fora, sentar com uma sopa de tomate e os pensamentos sobre a vida aqui dentro de mim.

Eu já sabia que em breve teria que entrar em isolamento restringindo minhas saídas a mercado, farmácia e banco apenas quando fosse algo que não pudesse ser providenciado por Internet. Sabia, mas ainda não percebia como realidade próxima, muito próxima.

O silêncio de 2020 não é completo, claro, enquanto escrevo ouço o funk de um vizinho, vez por outra são discussões que surgem e desaparecem nas ruas, tem os panelaços e vaias todo dia às 20h30 e as ruas estão longe de estar vazias como deveriam, mas tem um grande silêncio que desconfio que marcará esse último ano dos anos 10 do século XXI. Ah! Também tem o ruído dos carros de som a serviço do cavalheiro do apocalipse Praga chamando as pessoas para as ruas disputando com o ruído dos sistemas de aviso das comunidades dizendo a todos para ficarem em casa e aos idosos para irem aos hotéis oferecidos pelo governo.

Apesar de tudo isso muitos sons e ruídos sumiram. O baile da comunidade vizinha que tremia as janelas desapareceu há quase um mês e os sons urbanos certamente estão reduzidos, todavia não é a esse silêncio que me refiro.

Pode ser que nem todos estejam sentindo conscientemente essa ausência de som, como se tivesse uma sala vazia, sem janelas ou portas dentro de nós onde apenas o som da nossa respiração ecoasse opressivamente.

É um silêncio muito diferente daquele que nos envolve cuidadosamente quando sentamos na companhia de uma sopa de tomate e criamos um espaço de reflexão e criação. É o silêncio oposto, o silêncio de um vazio.

A sala que ecoa minha respiração talvez pudesse ser identificada com uma placa onde se leria “Perspectivas”…

O mundo jamais voltará a ser como antes… É o que dizem quase em uníssono as mentes mais bem equipadas e racionais que tem analisado o impacto de uma pandemia dessas dimensões e elas não se referem apenas a passarmos a lavar mais as mãos, usar máscaras nas ruas, trabalhar muito mais de casa ou fazer muito mais compras remotamente. Nem mesmo estão se referindo apenas a mudanças estruturais nas cidades que devem passar a ter mais autossuficiência na produção de recursos essenciais ou na macroeconomia que deve modularizar mais a produção e o consumo para se manter se uma região do planeta entrar em colapso.

O mundo depois da pandemia é uma incógnita, um silêncio opressivo. A gente sente que algumas coisas devem melhorar, algumas coisas devem piorar, mas que coisas? Quem se atreve a hipóteses não consegue comover nem nossos ouvidos, muito menos nossa percepção.

Ainda que tudo pareça ter voltado ao que era antes nós seremos outros. Podemos tapar os ouvidos e berrar na tentativa desesperada de não ouvir o que nossa experiência grita para nós o tempo todo: não foi a primeira, não foi a última e muito provavelmente não foi a pior praga a nos atingir. Nós sabemos que estamos vulneráveis e que temos que mudar para lidar com isso quando acontecer de novo, para ver mais rápido ainda do que vimos dessa vez, para… Enfim, nem é isso que importa no silêncio de 2020, afinal são muitos silêncios!

Espero que tenha dado para perceber o silêncio que me aflige… Ele me aflige? Talvez não… A incógnita que o futuro nos devolve quando lhe perguntamos o que ele está preparando para nós pode ser melhor que uma resposta que se mostrará falsa logo adiante. Esse é um aprendizado que ficará para mim, o de entender que tem mudanças que somos incapazes de antecipar às quais teremos que nos adaptar.

É… Desconfio que esse é o novo mundo que surgirá, esses são os novos mundos que surgirão: as mudanças de percepção, abordagem e até de crenças em mim, em você e até naquela pessoa que aos seus olhos parece totalmente alucinada e incapaz de entender o que está acontecendo.

Talvez tudo pareça voltar ao normal por um tempo, mas tem eventos que marcam momentos de transição. Existe um mundo antes e um mundo depois da ida da humanidade à Lua, por exemplo e, francamente, o impacto dessa pandemia certamente será maior…