Olho pela janela e aprecio as casinhas fincadas no morro cobrindo-o com uma pequena, mas conturbada, favela carioca. Fico pensando na realidade vivida por seus moradores entre os estreitos corredores de paredes mal acabadas que separam as casas e fazem o papel de ruas e calçadas.
Percebo triste que, apesar de morar a vida toda perto daquelas pessoas o dia-a-dia delas é tão estranho para mim quanto o dos povos do Afeganistão ou do Camboja.
Certa vez o dia amanheceu com um corpo morto jogado diante do meu prédio, mais uma vítima dos conflitos entre grupos criminosos, acontece que é raro o mês em que não ocorre um tiroteio lá para cima e só posso crer que corpos jogados no chão deve ser uma realidade bem mais presente para eles… A violência real deve ser parte do seu cotidiano, aqui embaixo a violência é muito mais uma sombra ameaçadora do que um monstro presente.
E as perspectivas de vida de quem não encontra outra alternativa além de viver na favela? E quem, apesar de tudo, gosta de lá assim como gostamos do nosso bairro decadente ou do nosso país meio gauche?
Naquela sociedade que se desenvolve paralelamente à nossa há uma literatura própria, uma mídia própria, um cinema e uma linguagem própria. O hip-hop substitui a… qual é o movimento cultural que fala da realidade fora da periferia? Iluminismo, Modernismo, os Enciclopedistas… Eles todos passaram e agora temos um balaio de gatos chamado “arte contemporânea”. Será que Harry Potter é arte contemporânea?
Olhando lá para as casinhas suspensas no morro me pergunto se “tem solução?” e a pergunta fica ecoando até que percebo… É para ter? Ela é o problema? Um sintoma? Quem sabe não é parte da solução? Sei tão pouco sobre aquele mundo que pode ser qualquer coisa!
E será que sou tão estranho para eles quanto eles são para mim? Talvez não, eles moram lá, mas trabalham aqui! Eu moro e trabalho aqui e não sei sobre o poder do crime organizado que disputa lado-a-lado com o poder do estado e das associações de bairro. As ONGs que, para mim, parecem mais um tipo de filantropia lá talvez sejam o que mais se aproxima do quarto poder.
E por falar em poder, onde estão eles quando a minoria excluída, que é maioria em muitos povos do planeta, precisa do poder legislativo, do poder executivo, do poder judiciário e da imprensa?
Pois é, mas talvez nada seja pior do que o antagonismo entre povo da rua e povo da favela que parece ser um tipo de consenso, inclusive da reflexão que iniciou este artigo. Sei lá se esta separação é real, no entanto nos vejo trabalhando nos mesmos lugares, compartilhando os mesmos destinos e sonhos.
Roney, concordo com o que voc disse l no ‘na rua’. H 2 grandes problemas a que na maioria das vezes so misturados: no alto escalo da bandidagem, a ao tem que ser estratgica, policial; no “proletariado” do crime, o problema outro… penso at que de sade pblica, que s aes estruturais podem resolver. e infelizmente nesse ltimo grupo acabam entrando as crianas, que no deveriam ter nada a ver com o assunto.
PS: muito bom seu blog. gostei da forma interntica como escreve, com vrios links no meio do texto…