Para mim o peixe na imagem acima (créditos no final do post) parece estar flutuando, e isso me remete à Delirium, dos Perpétuos, aquela que já foi Deleite.

Nos últimos 30 dias o destino me fez me reaproximar do pai de quem me afastei há 38 anos porque vivíamos em mundos incompatíveis e creio que isso é o suficiente para acompanhar esse post caso você tenha caído aqui sem contexto.

Todas as pessoas vivem em realidades ligeiramente diferentes de acordo com o próprio viés, com quem as cerca, suas histórias de vida e outros fatores, mas estou sendo conduzido para um tipo de realidade alternativa e realidades quase totalmente delirantes.

E isso nada tem a ver com as baboseiras psico-quânticas que foram piorando desde a minha adolescência.

A realidade está lá, o que muda é o que achamos que estamos vendo.

Me lembro de um amigo, ainda no século passado, que me disse ter se assustado ao virar a esquina e ver um monstro por uma fração de segundo antes de notar que era uma pessoa em cadeira de rodas. Acho que eu não era um bom amigo pois lhe perguntei “E se a primeira impressão foi a correta e depois uma ilusão te cercou?”

Na época isso era engraçado, mas nos últimos 10 anos vimos o crescimento vertiginoso da tal pós-verdade que consiste basicamente em “se me satisfaz, então é real.”.

A bem da verdade esse post poderia estar no Meme de Carbono, onde falo da sociedade hiperconectada e cibercultura, mas estou precisando processar os aspectos pessoais do que estou vivendo e que acho que podem ser úteis para mais alguém com familiares que tem mergulhado na pós-verdade ou até mesmo você, que está lendo, seja a pessoa sendo cercada pelo delírio.

É claro que as transformações da humanidade só vem acelerando e uma pessoa de 85 anos pode ficar perplexa e totalmente confusa com… bem, com praticamente tudo que temos que fazer diariamente, no entanto tenho visto uns descolamentos da realidade que sequer consigo entender. Coisas como “Se eu fechar a porta do quarto ninguém vai entrar para trazer comida ou me ver” (ele está há três semanas em um hotel para idosos) ou “Ninguém passa aqui”. Quando na verdade vi várias vezes enquanto estava lá que os enfermeiros e enfermeiras entram sim, passam para vê-lo e levam comida. E não começou agora.

Uma coisa é ver pessoas distantes falando asneira nas mídias sociais (sinto falta de quando eram redes sociais) e sendo replicadas por quem as acha ridículas… A propósito já basta de dar tempo para esse pessoal, né? Isso só ajuda a espalhar o vírus do delírio. Lembre-se que cada minuto que vivemos não volta e um minuto vendo os delírios dos outros já é muito tempo quando temos tanta realidade para apreender e entender… Mais que isso, quando já temos tão ponto tempo para viver as coisas mais importantes da vida, como um papo com amigues ao por do sol…

Mas tô me perdendo muito aqui nos meus devaneios! O assunto é a distorção da realidade.

Vamos falar com clareza, né? Depois de 38 anos sem convívio estou vendo o mundo alternativo em que o meu pai vive. Um lugar distópico e delirante de tantas formas que é difícil descrever. Não é apenas como aquela fila de pessoas robóticas fazendo continência e dizendo que era robô do Bolsonaro. É se deparar com a realidade e não conseguir vê-la. No mundo em que ele foi mergulhado (tenho certeza que não é uma decisão e sim um tipo de doença social) tudo está corrompido, nada funciona, tudo está fadado ao fracasso. Quando resolvo as coisas, a maioria bem simples, ele parece pensar que tenho alguma habilidade sobrenatural, mas ainda assim não dá ouvidos quando aponto caminhos e não desconfia que é a sua percepção que está alterada.

Parece que a incoerência é quase um app pré-instalado na percepção dessas pessoas a ponto que ela passa totalmente despercebida. Os diálogos com ele poderiam facilmente estar no roteiro de uma história da Delirium, de alguém sob a influência dela.

É uma situação inusitada. Acho que qualquer pessoa tentaria ajudar a pessoa a sair do purgatório em que está vivendo, mas… e isso me lembra novamente de Sandman… Em uma passagem no Inferno vemos um homem em agonia preso com grilhões a uma rocha há milênios. Ninguém mais lembra que ele existiu, ninguém se importa com o que ele pense que tenha feito de horrível, por Morning Star ele iria embora, mas o homem se recusa, ele passou a de auto-definir pelo merecimento do castigo que ele mesmo não lembra por que foi imposto ou até se foi imposto ou foi apenas sua culpa que o levou para lá.

Da mesma forma suspeito que o mundo distópico satisfaz uma auto-imagem de sobrevivente, de vítima de males terríveis, que, desconfio agora, nunca existiram e eram apenas as coisas normais da vida, como a chuva… Aliás encontro nas brumas da memória, esse mesmo homem, então com pouco mais de 30 anos, profundamente perturbado com os pingos de chuva nas lentes dos seus óculos. Pode não ser é uma auto-imagem recente…

Enfim… A realidade se submete ao nosso olhar?

Bah! Claro que não! A realidade está ali, inexorável, mas de certa maneira todas nós estamos delirando o mundo não é mesmo? Não temos olhos e memória que bastem para abranger tudo ao redor e acabamos vivendo em fragmentos da realidade (e nem vamos entrar aqui na filosofia da física que se pergunta sobre a percepção do Universo) e confundindo os lunáticos que aparecem em nossa timeline replicados por quem seguimos com representações estatísticas do senso comum.

Vivemos nos delírios das nossas bolhas.

É que nos últimos anos pelo jeito criaram bolhas e mais bolhas de distorção da realidade e muita gente se perdeu dentro delas… O Normose está entre os que fala melhor nisso em vídeos como Sociedade de Controle. Fica a dica

Foto de Foad Memariaan na Unsplash