Atenção!!! O conto mais abaixo tem spoilers de Jogos Vorazes para quem não leu os livros e não viu o terceiro filme!
Sobre o projeto
Esse é o décimo segundo conto do projeto #UmSábadoUmConto (Post explicando o projeto)
Durante a semana as pessoas votam em estilo, gênero, público e época. O autor (eu) só pode saber o resultado às 8h de sábado e tem até meio dia para terminar o conto.
Cada conto é escrito com um processo criativo diferente (veja no final).
O que você vê a seguir é o conto com a mínima revisão. Você pode ler sem revisão no Google Docs.
O Conto
Nuvens negras se aproximam vindo do horizonte como vagas de um tsunami advertindo para o temporal que atingirá em breve o distrito 12.
Já se passaram 35 anos desde que ele foi reconstruído e os olhos aquilinos de Priston não conseguiriam identificar um sinal da destruição dos eventos protagonizados por sua mãe, Katniss Everdeen.
Do seu ponto de observação privilegiado, no topo de uma das árvores mais altas, ele observa analisando os sinais da floresta. Os sons dos animais, a forma como as folhas cantam ao vento… Tem algo errado. Há semanas ele sente que há algo errado.
Priston já não é uma criança, já se foram 16 anos desde que ele tinha 16 anos e na época já dominava as artes da sua mãe tão bem quanto ela na mesma idade.
Esse era um segredo deles. Para todos, até onde eles sabem, Katniss se tornou uma dona de casa exemplar, uma mulher pacata que se satisfaz em ter um lar pacífico, um marido, Peeta, e seus dois filhos, Priston, o mais velho, e Primrose, dois anos mais nova.
No entanto Katniss sempre soube que a paz era uma utopia distante para Panem. Estruturas de poder marcadas pela dor e pelo medo não desaparecem da noite para o dia.
Secretamente ela e Gale sempre alimentaram algum tipo de resitência ao sistema.
Uma ou outra semente de subversão e a ameaça de novos levantes manteve os governos subsequentes mais… precavidos.
Os jogos deixaram de ser mortais, mas permaneceu a rivalidade entre os distritos pois, se ela acabasse, a estrutura social e econômica de Panem se desfaria: o governo era apenas uma ponta do sistema, ele apenas cumpria o controle necessário para alimentar a ganância das corporações que controlavam os recursos naturais e humanos de Panem.
“Recurso Humanos”… Priston ri lembrando da paixão com que sua irmã comenta que, depois de tudo, as pessoas ainda são vistas como recursos, como peças ou objetos que fazem parte de uma linha de produção.
Ele escuta passos 25 metros abaixo. Poucas pessoas são capazes de ouvir passos de uma altura dessas, mas poucas pessoas são capazes de passos tão ruidosos: Peeta, seu pai, o procura contrariado. Ele nunca aprovou a continuação dos hábitos de caça de Katniss e menos ainda do envolvimento político e imaginava que Priston estava pensando justamente nisso.
Peeta se assusta quando seu filho pousa pesadamente atrás dele saltando de um dos galhos mais baixos da grande árvore, mas sorri para ele logo em seguida.
– Nunca sei se é um de vocês ou alguma outra coisa! Sei que o distrito tem estado tranquilo há anos, mas também sinto que essa tranquilidade é apenas superficial. Sempre há algo obscuro correndo sob Panem… Glimmer está na vila procurando por você.
Glimmer Underseen. Assim como seu tio, antigo prefeito do distrito 12, ela trabalha na prefeitura apesar de ter pouco mais de 25 anos. Ela e Priston se apaixonaram há anos, mas não falam nisso. Parece que a família Everdeen está fadada ao receio de relacionamentos sérios… Mas como se entregar ao amor quando receamos que ele nos será subtraído a qualquer momento? Para muitos era possível, mas eles estavam marcados pela história.
Normalmente Priston volta para casa correndo, mas seu respeito pelo pai é grande, Peeta é um bom homem. Estável e confiável em sua pureza e dedicação à família. Eles seguem conversando sobre amenidades.
– Sua irmã me preocupa, Priston. Ela é mais fechada e arredia ainda que sua mãe! Vários homens adorariam casar com ela ainda hoje passando dos trinta anos e…
– Pssssss!!! Pai!!! – Priston olha velozmente para os lados e ri…
– Então eu devia arranjar um homem para cuidar de mim, né pai? Que homem pode cuidar de uma Everdeen, hein? É mais fácil nós cuidarmos deles! – Ela ri com o mesmo sorriso que Prim teria se fosse viva. Há perdas em uma guerra que jamais podem ser recuperadas… A homenagem à sua irmã foi uma justiça que Katniss achou que era uma obrigação sua, uma compensação mínima ao Universo que perdeu uma das poucas pessoas puras que ela conheceu.
– Você estava aí o tempo todo?
– Aham! Alguém tem que pegar a caça que o Priston perde, né?
Priston tinha uma mira tão boa quanto a dela, mas nesse momento ela estava com uma pequena vantagem na contabilidade da caça ainda que eles discordassem se aquela flechada que atravessou a ave matando instantaneamente sem danificar órgãos vitais deveria ou não contar mais pontos para Priston.
Panem parece viver um período de crescimento. O distrito está limpo e bem cuidado, é a Vila dos Vitoriosos que não recebe tanta atenção quanto antes apesar de estar mais povoada agora que todos os concorrentes dos jogos sobrevivem. Todo ano são acrescentadas duas casas, mas eles tem que trabalhar para manter suas despesas. Na prática os vencedores alugam suas casas para as poucas famílias ricas que começam a prosperar ainda que, para a maioria, pouco tenha mudado além de uma distribuição mais justa de recursos agora que a Capital não dispõe mais de tantas regalias.
Glimmer está esperando ao lado da fonte que fica no centro da vila. Ela brinca com algumas flores que flutuam sobre a água gelada empurrando-as com os dedos longos e delicados. Seu sorriso ao ver Priston o faz esquecer das nuvens escuras e da intuição que vem incomodando a ele, sua irmã e sua mãe há tempos.
A vida continua sendo uma farsa, Peeta levou o equipamento de caça para casa sem ser visto e, para todos os efeitos, Priston e Glimmer estão falando de amenidades enquanto caminham da mãos dadas por um corredor formado por azaleias.
– Gale continua sumido, mas tivemos notícias que podem nos levar a ele – A casa mais próxima está bem distante e a vegetação abafa as vozes, mas Glimmer fala entre sussurros olhando ao redor como um esquilo antes de abrir uma noz. – Encontre comigo na casa da floresta amanhã depois da alvorada para conversarmos, ok? Acho que sua mãe vai querer ir…
A alvorada era o melhor momento para reuniões secretas pois o canto dos pássaros abafava qualquer conversa, mas assim mesmo eles falavam baixo.
No dia seguinte Glimmer já estava lá quando Priston, Prim e Katniss chegaram. Antes de entrar na casa eles verificaram o perímetro como só a sua família sabe fazer depois de mais de 30 anos de experiência.
Katniss não precisa falar, ela nunca foi de falar, mas seu olhar tornava palavras desnecessárias. Glimmer sentiu um arrepio percorrer seu corpo imaginando as coisas por que aquela senhora de uns 60 anos havia passado durante e depois dos jogos… Uma vez, quando ela era adolescente e se aventurava explorando a Vila dos Vitoriosos, ela flagrou Katniss, então com uns 45 anos, saltando pela janela para dentro de casa. Ela ficou escondida nas sombras entre o medo e admiração certa de que não tinha sido vista, mas então ela viu Katniss se virando, olhando para ela pelo rabo do olho e dando uma piscada e um sorriso enigmático para a menina aventureira de 12 anos. Uma fração de segundo depois uma flecha se cravou na árvore ao seu lado levando alguns fios de cabelo. Ela entendeu o aviso: se for bisbilhotar esteja pronta para as consequências.
O que o olhar de Katniss dizia era “Estou pronta para o pior e para vingar a morte de Gale, custe o que custar”.
– O corpo de um homem foi achado ontem na floresta próxima ao distrito 2. O único ferimento era no tornozelo causado por essa armadilha que parece aquelas de metal que prendem os pés de animais, mas é de madeira.
Glimmer entrega para Katniss que observa o artefato, cheira os espinhos e confirma com a cabeça.
– É trabalho do Gale, um trabalho apressado, mas pouca gente além dele sabe usar esse veneno.
– Tivemos sorte disso ser mandado para nós tão rápido – Glimmer parece se preocupar que ainda assim tenha demorado demais – O homem devia estar morto há quase uma semana. Foi o cheiro que denunciou sua localização. Temos uma equipe de buscas…
Prim a interrompe.
– Se é do Gale ninguém vai achá-lo. Só alguém em quem ele confia conseguirá se aproximar, mas o fato de não o terem encontrado certamente significa que ele está vivo!
Até então os olhos de Katniss estavam arregalados e as sobrancelhas fechadas em uma expressão de crescente terror.
Em todos esses anos ela não aprendeu a aceitar a perda daqueles por quem ela se considera responsável e o medo muitas vezes obscurece nosso raciocínio. Ao ouvir a filha sua expressão se alivia, mas ao falar ela soa cansada e desconsolada.
– Não posso ir tão longe… Meu rosto ainda é muito conhecido… Se for posso colocar vocês em risco, mas como posso não ir? Em quem mais ele confiaria?
– Antes disso, quem era esse homem? O que sabemos dele, Glimmer? – Priston se aproxima da janela para olhar ao redor e escutar. A algaravia dos pássaros continua sendo o caos característico. Se alguém se aventurar pela floresta o ruído deixa de ser uniforme denunciando a presença de alguém e até a direção de onde estão vindo.
– Ele era do sindicato dos mineiros, aqui do 12 mesmo. Por isso nós, na prefeitura, fomos contactados. É como eu disse, muita sorte. Ele era secretário do presidente do sindicato, aliás ele tem estado no sindicado nos últimos dez anos.
– O que alguém de qualquer sindicato poderia estar fazendo no distrito 2? – Prim fala em tom de pergunta, mas todos sabem a resposta, inclusive ela.
O distrito 2 continua sendo um foco de produção de armas e de forças de “segurança” que podem ser transformadas facilmente em forças de repressão como antes.
Diversas medidas de controle foram criadas ao longo das décadas para restringir as liberdades do distrito 2 evitando que ele se alie a um ou outro para desfavorecer o equilíbrio de forças. Cada distrito passou a desenvolver sua própria divisão de polícia, mas o que realmente controla o distrito bélico é sua dependência de matéria prima e alimentos produzidos em outros distritos.
É Glimmer, atenta aos jogos políticos, já que vem construindo sua carreira na prefeitura esperando algum dia ser prefeita e acertar onde seu tio errou, que coloca em palavras o que todos estão temendo.
– Se uma pessoa ligada a um sindicato há tanto tempo foi procurá-los temos que assumir que outros estão fazendo o mesmo. Por que motivo? São os sindicatos que os estão procurando ou alguém está orquestrando esses encontros? Mais importante que encontrar o Gale é descobrir…
Ela engole as próximas palavras ao ver o fogo nos olhos da Katniss. Os anos e a necessidade de manter segredos a tornaram mais… Discreta. Em outros tempos ela teria explodido e saído imediatamente para ir atrás do Gale sozinha, mas agora ela se levantou, caminhou lentamente até Glimmer, segurou as mãos dela…
– Nunca podemos deixar ninguém para trás! As pessoas que perdemos jamais voltam…
Em seu olhar ainda queimava um fogo, mas havia também compreensão e carinho. Talvez ela visse em Glimmer um pouco do que havia nela desde aquele encontro diante da sua janela. Sim, ela tinha visto bem quem era a enxerida.
– Desculpe, Katniss… A senho… Você tem razão. É que eu não posso, ou melhor, não tenho como procurar por Gale. O que eu posso fazer é tentar descobrir o que está acontecendo entre os sindicatos.
– Isso será perigoso, Glimm… – Priston se afasta da janela satisfeito com a segurança deles naquele momento – E não poderei estar aqui para te proteger. Me parece que sou eu que tenho que ir encontrar com Gale. Sou pouco conhecido e meu trabalho como administrador de recursos de um setor da mina me dá desculpas para fazer viagens de negócios. Prim, mãe, sei que vocês querem ir e provavelmente seriam mais eficientes que eu, mas tenho o melhor álibi e se Gale ainda não apareceu é porque deve estar com problemas para se locomover.
– Ele tem razão mãe… Estou no meio de um projeto de extensão dos túneis e meus cálculos são essenciais para definir as escavações. Seria muito difícil justificar meu afastamento agora, mas tem um transporte abandonado no depósito da mina que venho consertando há algum tempo. Ele está quase pronto. Podemos usá-lo para resgatar Priston e Gale quando se encontrarem. Tenho um sinalizador eletrônico para te dar, Priston. Quando você apertar o botão vermelho ele nos levará até você. Preciso de três dias para terminar os consertos do transporte.
Fica combinado que Priston irá para o distrito 4 com a desculpa de negociar novos uniformes especiais para os túneis que estão sendo cavados. Prim fará o relatório sobre as possibilidades de encontrar bolsões de ar quente não explosivo que, no entanto, poderiam causar queimaduras sérias nos mineiros.
No final da tarde do dia seguinte Priston já está embarcando no trem para o distrito quatro. Glimmer o leva até a estação.
O chão está enlameado da chuva intensa do dia anterior que, felizmente, foi breve seguindo adiante empurrada pelo vento para o próximo distrito. Talvez Priston ainda passe por ela de trem.
Glimm olha para a luminosidade rubra do por do sol refletida no rosto determinado de Priston. Ela ajeita o cabelo dele que cai sobre os olhos, mas logo recolhe a mão timidamente, eles não podem se dar ao luxo de se entregar a romantismos… Ele pode não voltar.
Antes que ela abaixe a mão enfiando-a no bolso, Priston a segura entre as suas.
– Eu vou voltar logo, Glimm. Cuide da minha mãe para mim, certo?
– Hahahaha!!! Da sua mãe, amor? – ela percebe que disse “amor” e tenta seguir antes que ele perceba – é mais fácil ela carregar a família toda nas costas e nos esconder em uma caverna que só ela conhece! Eu cuido dela sim, tá?
Um silêncio se instala entre os dois, a brisa fresca e úmida dá a desculpa perfeita para olhos que ameaçam verter umas lágrimas.
– Hei, moço? Me dá um belo beijo de até logo aqui na bochecha, toma!
Ela estica o pescoço oferecendo uma bochecha rosada e fofa. Os dois tremem quando os lábios dele encontram a pela dela. Se lembram de outras coisas além da beleza que enxergam um no outro, lembram das longas conversas nos últimos anos, na força que eles encontram nos olhos um do outro e no respeito que os une em tempos ainda tão inseguros. Será que um dia Panem verá a paz? Quando parece que as coisas estão prestes a melhorar algo novo e terrível aparece.
Depois que o trem parte os dois ficam olhando na direção um do outro ainda que já não haja mais nada para ver. A luz vai desaparecendo aos poucos deixando Glimm sozinha na escuridão solitária da estação. Um medo repentino toma conta dela e, por via das dúvidas, segue rapidamente para casa evitando os lugares iluminados para não ser vista.
No distrito quatro Priston é recebido por um representante do sindicato local. Isso não é de todo incomum, mas diante das últimas novidades ele se mantém alerta. Sua família se sente bem no espaço selvagem onde tudo é muito claro: quem são as presas, quem são os caçadores, o que é comestível e o que não é.
No mundo humano tudo é nebuloso e impreciso.
Ele precisa elaborar uma desculpa para se ausentar e explorar a floresta ao redor. Somente agora ele percebe que achar Gale será como encontrar uma agulha no palheiro. Principalmente sabendo que ele certamente não quer ser encontrado. Bem… Pelo menos Gale não é um mestre em camuflagem como seu pai.
A única forma de achar Gale é ser encontrado por ele. O que sua mãe faria em seu lugar? Como atrair atenção de Gale sem que outros desconfiem da mensagem?
Claro! A música que sua mãe cantava para eles dormirem! Os Mockingjays são cada vez mais comuns nas matas e ninguém fora da família conhece a música secreta que Katniss criou para seus filhos crescerem preparados para os dias de grandes sacrifícios, para saberem valorizar aqueles por quem somos responsáveis e enxergar além das aparências. Gale certamente reconheceria a música.
– Onde posso arranjar uma hospedagem bem silenciosa? Estou acostumado ao silêncio das minas vazias que tenho que inspecionar e minha casa é afastada de tudo. Durmo em um silêncio que dói os ouvidos se você não tem o costume e tenho dificuldade em dormir com os sons da cidade.
– Bem, temos a fábrica velha que passou a ser usada como alojamento. Ela fica nos limites do distrito.
Priston procura descobrir qualquer sinal de ironia, mas ele tomou o cuidado de fazer a pergunta para o garçom onde almoçou e não para o contato que o recebeu mais cedo
À noite não foi difícil sair sem ser visto. Ele teria menos de 12 horas para encontrar um ponto onde Gale poderia estar escondido.
Apesar de ter mais de sessenta anos Gale era um homem forte e já devia ter se afastado muito do distrito dois em uma semana, mas seria o bastante para ele passar do distrito três? Infelizmente Pristom não teve uma desculpa que o levasse além do quatro então a esperança é que Gale estivesse perto o bastante para perceber seu sinal e ir até ele.
Priston correu o mais rápido que pode por quase 4h. O bastante para vencer mais de 10 km mesmo entre a vegetação. Ele encontra uma clareira e começa a montar um sinal no chão com gravetos enquanto entoa a música com a voz que herdou do seu avô. Nas primeiras notas os pássaros que dormiam em seus ninhos se agitaram respondendo com sua cacofonia de cantos, mas logo se calaram novamente para ouví-lo. Quando ele parava eles repetiam sua melodia. A cada vez que os chilreios iam se dissipando ele voltava a cantar e assim fez por mais de meia hora para se certificar que as aves aprenderiam seu canto e o repetiriam por um dia pelo menos. Por último ele arriscou disparando uma flecha luminosa exatamente para cima, afinal ele não quer acertar ninguém inadvertidamente. Ele deixa a flecha na clareira sabendo que Gale, se estiver vivo, deve ter visto o sinal há dezenas de kms em uma noite escura e límpida como aquela. Foi muita sorte a chuva de dias antes ter limpado o céu.
Priston não poderia esperar muito, mas tinha que observar o estonteante véu de estrelas sobre sua cabeça, ali, mais longe do que de costume das cidades, via-se detalhes da Via Láctea e estrelas que raramente qualquer um enxergava.
O que ele estava fazendo? Se Gale visse o sinal e tivesse ouvido o canto dos mockingjays talvez ele respondesse!
Com alguma pressa Priston escala a árvore mais alta próxima a ele e passa a vasculhar o horizonte. Gale não usaria um sinalizador luminoso comum, mesmo que tivesse. Ele usaria algum sinal que somente outro caçador fosse capaz de reconhecer…
É então que ele escuta um farfalhar distante se aproximando. Primeiro parece o som de folhas agitadas pelo vento, mas então eles passam por baixo dele ligeiros: revoadas de tímidas andorinhas de uma espécie que raramente voa acima das copas das árvores pois são presas para aves de rapina. Somente alguém como Gale poderia espantar somente a espécie certa que mandaria um sinal sem revelar sua presença.
O tempo é curto, o transporte não deve estar pronto, sua irmã deve precisar ainda de mais um dia, e Gale pode não estar em condições de correr 4h até o distrito quatro, mas Priston não tem alternativa, ele precisa seguir na direção de onde vieram os pássaros e achar Gale. Mesmo que tenha que berrar por ele para isso correndo o risco de ser outra pessoa ou outra coisa.
Felizmente ele corre por menos de uma hora até que escuta uma voz atrás dele: “Pare e vire lentamente” é a voz de Gale!
– Sou eu, Priston! Vim te resgatar! Minha mãe queria vir, mas consegui convencê-la.
– Fez muito bem, rapaz – Gale nunca deixou de chamá-lo de rapaz, mesmo agora que, apesar de ter apenas 32 anos, ele já tem vários cabelos brancos. – Ela sempre se coloca em risco quando não é necessário.
– Como você está Gale? Você conseguiu andar rápido do dois até aqui! Achamos que você devia estar ferido e por isso não tinha voltado para o distrito.
– Estou ótimo! Só não podemos confiar em nenhum distrito nesse momento. Tenho um contato de confiança no cinco. Estava indo para lá, mas ia demorar um pouco como você deve ter notado.
Os dois riem de um jeito discreto, mas com vozes poderosas que assustam alguns gecos escondidos entre as folhas caídas no chão.
– Temos um plano, Gale. Minha irmã está consertando um transporte e… pronto! agora que apertei esse botão ela sabe que te encontrei. O problema é que ela deve demorar mais um dia para terminar os consertos. Tenho que voltar para o distrito antes de amanhecer ou podem desconfiar. Fique com o comunicador, elas vão te achar. Digo elas porque tenho certeza que minha mãe também virá.
Priston já deve estar chegando no distrito quatro horas depois quando Gale escuta o ruído eletromagnético de um transporte muito mal consertado: eles não deviam fazer qualquer som. De pé na rampa que desce do aparelho ele vê a silhueta de Katniss com arco em punho e flecha preparada para disparar. Ele entra no raio de visão lentamente com as mãos para cima.
– Esse deve ser o meu resgate ultra-secreto, certo? Talvez no distrito treze não estejam escutando!
Tres flechas atingem o chão praticamente ao mesmo tempo e Katniss ri poucos metros acima dele.
No caminho de volta para o distrito 12 Gale os coloca a par do que descobriu.
Depois que Snow e Coin morreram ou foram mortos (Coin pelo tiro certeiro de Katniss) as estruturas de poder se desestabilizaram. Os dois controlavam em suas áreas grande parte dos negócios formando governos intimamente ligados à cadeia comercial.
Quando eles se foram os grupos tinham grande desconfiança mútua e não podiam agir abertamente. Além disso foram criados sindicatos logo após a queda da Capital e a população tinha sede de liberdade. Foram necessárias três décadas para que eles construissem laços comerciais, confiança e se infiltrassem entre os sindicatos. Agora tramavam um golpe desviando parte dos recursos de cada distrito para esconderijos em minas abandonadas no 12. Eles já contavam com cúmplices em 8 dos 12 distritos.
Enquanto Gale contava Prim se dividia entre prestar atenção e manter a geringonça apenas parcialmente consertada no ar. Glimmer pilotava e Katniss olhava para Gale balançando negativamente a cabeça… Como tanto pode ter acontecido sem que eles percebessem? Isso nunca teria fim? Ela não precisava falar nada.
– Mas eu tenho boas notícias!! Eu estava sendo perseguido porque consegui um dossiê com todos os contatos deles, ou quase todos! Só temos que chegar ao distrito 5 de onde poderemos transmitir as informações pela Rede!
Meus Comentários
É um final um pouco repentino, mas um conto de 10 páginas não tem espaço para construir o clímax ao longo de 5 páginas.
Como foi uma fanfic o processo criativo descrito abaixo foi muito rápido e não senti necessidade de explicar muitas coisas no meio do conto, nem do Universo em questão, nem das minhas decisões criativas.
Apesar de ter mudado umas duas coisas nos personagens, principalmente no Gale e na Katniss talvez outros leitores nem cheguem a notar por que eles podem não ter visto a personalidade deles ao final da trilogia do mesmo jeito que eu vi (e não falo para não fazer spoiler).
Poucas vezes escrevi fanfics porque acho um estilo preguiçoso, mas dessa vez entendi porque tem gente que adora escrevê-las. É porque nos apropriamos dos personagens e os “melhoramos” de acordo com o nosso gosto. Além da sensação de poder (que pessoalmente não me animou muito) tem uma grande satisfação de ver personagens que te cativaram vivendo coisas que você acha mais interessantes. Ficamos felizes pelos personagens.
Revisando notei um erro grande! Os jogos no conto se tornaram um tipo de Jogos Olímpicos, mas não foi assim que eles ficaram ao final da trilogia. Considero isso um erro no meu conto, ok? Se eu quisesse corrigir isso teria que ter dado mais destaque explicando como aconteceu.
Também enquanto revisava percebi também um spoiler gigantesco! Vou avisar lá no começo que o conto tem spoiler…
E finalmente… Só ao fazer o hangout percebi que a votação foi para realista no presente!! Ok, realista eu até posso tentar me desculpar dizendo que é realista dentro do Universo de Jogos Vorazes, mas fiz no futuro!!
Errei rude, gente! Foi mal! Vou tentar me redimir no futuro!
O processo criativo
Isso foi escrito antes do conto para quem estava assistindo ao vivo.
Me comprometi a usar uma estratégia em cada conto enquanto desse, mas só faltam três:
- Fanfic: criar em um universo que já exista
- Criar uma história em que eu gostaria de estar, ou seja, eu mesmo sou um dos personagens (é meio preguiçosa, né?)
- Retalho de outros autores / histórias. É preguiçosa também e fica com cara de plágio apesar de ser comum (as histórias mitológicas por exemplo)
Sábado vamos ver que estratégia vou usar. Vai depender do resultado da votação.
Bom dia! Cinco minutos atrasado ;) Me distraí! Vamos ver o resultado da votação?
Deu adulto, presente, realista e empatou romance e suspense… Então que tal um suspense com romance?
Isso é perfeito para usar a primeira estratégia da lista acima: fanfic, né?
Foi ficando para última porque acho que é um jeito preguiçoso de escrever já que está quase tudo pronto para você, mas é um jeito. E tem muita gente que adora porque dá vida a personagens que, de outra forma, ficariam presos nas histórias em que foram apresentados.
Tem também aquele lance todo de transmídia storytelling, nave mãe, cultura do remix…
Temos quatro pessoas acompanhando! Parabéns aos madrugadores! :-)
A primeira decisão é que universo escolher para a fanfic. O fato de ser adulto não exclui universos jovem-adulto e nem mesmo infantis pois podemos localizar no futuro. Tem até a revista Mênica Jovem que é com a turminha já adolescente.
Pensei primeiro em Jogos Vorazes porque é uma saga bem conhecida e tem bastante espaço para suspense, romance e para uma temática mais adulta. E posso “corrigir” o final que não me agradou ao pegar a Katniss digamos… Com uns 60 anos?
Passou pela cabe?a usar The Bone Season que estou lendo agora, mas ainda estou no começo então não conheço bem o universo e a série é nova, ninguém conhece ainda.
Não que isso impeça de fazer uma fanfic, o macete da fanfic é usar um universo que você conheça. O leitor ou leitora não precisam conhecer. A ideia é facilitar o seu processo criativo poupando o esforço de pensar nas características dos personagens, da cultura e dos locais.
Cara, vai ser Jogos Vorazes mesmo pq o fim me incomoda, digo, uma coisa no fim me incomoda. Vou tentar não fazer spoiler, ok? O fato de ter falado que faria a história com a Katniss com 60 anos não quer dizer que ela sobreviva à história, eu posso não ter gostado dela morrer, né? Também posso não ter gostado da Capital vencer no final então nada do que vou escrever pode ser visto como spoiler, combinado? Posso estar mudando totalmente o fim da saga para tornar a minha história possível.
[8:20] Pausa para pensar um pouco na história [8:23]
Oi Roney!
Li ontem mesmo o conto e estava esperando voc public-lo aqui para poder comentar.
Apesar de no ter lido os livros e ainda no conhecer como acabam os filmes (apesar de desconfiar do rumo que algumas coisas vo tomar), gostei bastante deste futuro que voc deu aos personagens. Consegui visualizar direitinho cada um deles, em especial Katniss, como uma senhora ainda cheia de energia guerreira, pronta pro que der e vier, zero indefesa e tentando viver como uma senhora pacata.
Adorei ver que as personagens femininas so fortes, determinadas, corajosas, prontas a sacrificar o que for por um bem maior. Gosto de personagens assim. Apesar de ter visto e sonhado com os filmes da disney quando criana, fui educada para ser corajosa e independente pelo meu pai militar que fazia questo que eu soubesse saber de tudo, bem por uma mo professora de personalidade forte que fez questo que eu fosse feminina, porm forte e independente. So mulheres assim que admiro e fico feliz que a cada dia que passa as heronas das histrias esto cada vez mais parecidas com aquilo que me foi ensinado.
Adorei o conto! Sei que partir de um fanfic facilita muito as coisas, mas tem um valor incrvel a maneira como voc acaba conduzindo de maneira eficiente e emocionante a histria. D vontade sempre de ler mais. :)
Esse ponto da fora da Katniss era o que eu queria mesmo passar no conto, Cyn. No livro me parece que ela termina quebrada, entende? Quase como se fosse um castigo por ter sido uma mulher forte. Tipo “Ah! ? Fez papel de homem? Agora vai viver uma vida traumatizada encolhida num canto e alheia ao mundo enquanto o Gale, que homem, vai fazer as coisas de homem”.
Gosto muito da Suzanne Colins. Acho que ela sabe fazer um bom livro sem tentar enfiar a histria no funil da cultura pop ainda que seja uma obra pop, entende? Acho que esse final da Katniss a nica coisa que realmente me incomodou, mas entendo.
Tem outras formas de ver o final tambm. O custo emocional de uma guerra, todos podemos fazer nosso papel quando o mundo precisa de ns, mesmo quando tudo que queremos ficar em paz em nosso canto (acho que essa foi a inteno da Colins) etc.
S que eu sou whovian! O final dela me lembrou muito o da Donna e isso me fazia sofrer! Foi um alvio para mim escrever um final alternativo ;)
“um alvio para mim escrever…” que construo horrvel!!! Leia-se “Para mim, foi um alvio escrever um final alternativo” hahahahaha!!
[COMENTRIO PODE CONTER SPOILERS]
Curti! Apesar de que eu sempre tenho esperana de um futuro com mais paz – mas guerras e jogos de poder sempre estiveram dentro da histria da humanidade, n?
E fiquei me perguntando quem fim tinha levado a amizade com Gale, achei que a autora fechou sem esclarecer isso, mas voc deu um rumo. :-)
Mas no tive essa interpretao de que os jogos continuavam, ainda que sem mortes. E os distritos de fato parecem ter seguido independentes, apesar da unio anterior para derrubar a Capital…
Terminei de ler a trilogia h dois dias, t rf ainda, reclamando pelos cantos. (risos)
Fiz a fanfic mudando umas coisas de propsito e outras sem querer.
O que eu mais queria mudar era o fim da Katniss que, ao meu ver, terminou como uma dona de casa quase no modelo Amlia e isso me incomodou muito por achar meio machista.
O Gale foi ser homem e ela foi ser mulher em um casamento com carinho, mas sem amor com o Peeta. No consigo ver amor entre eles… Vejo um tipo de acomodao, de fuga.
Por isso na fanfic eu mantive a atrao entre ela e o Gale enquanto o Peeta seria mais um tipo de marido de fachada, um amigo.
Se bem me lembro os jogos continuaram com mortes, mas com jovens da capital, n? Vou at confirmar.
Isso eu mudei sem querer. Me toquei s do meio para o final do conto e no tinha mais como mudar. Se eu for trabalhar melhor esse conto vou ter que contar que os jogos foram alterados de novo em algum momento nos 40 antes do conto.
Voc falou numa coisa que tenho pensado em abordar em um post…
Vejo que muita gente v as histrias futuristas como um tipo de previso do futuro e por isso muitas vezes lamentamos que elas mostrem um futuro com guerra e jogos de poder.
No entanto eu acho que tudo que fazemos est ligado ao presente. Panem uma caricatura do mundo hoje, uma forma de nos alertar para os absurdos do presente.
No toa que frases e smbolos de histrias como jogos vorazes so usados em protestos populares com frequncia.
Nem acho que os autores faam de propsito, muitas vezes involuntrio.
No meu caso foi de propsito ;-)