Essa semana compartilhei no Facebook um artigo sobre o ofício da tradução e comentei o seguinte:

Sou muito fã de tradutores! Essas pessoas que transportam a alma de um texto de uma cultura para outra! Para mim são coautores!

Alguém, que não faço ideia de quem seja (não temos amigos em comum), disse que “tradutor jamais será co-autor ! Ele não cria, somente adapta!”

Bem, eu não disse que eles eram autores e sim coautores (é sem hífen) e também poderia dizer que um autor é muito mais do que alguém que tem uma ideia pois um livro é a execução do conceito original e seus desdobramentos. Tanto é assim que temos a mesma obra traduzida por vários tradutores e a mesma ideia desenvolvida por vários autores (vale para cinema também).

Poderia dar muitos argumentos, mas decidi adotar outra estratégia pois acho que a pessoa deve ter alguma pinimba com tradutores já que eu acho que todo leitor assíduo percebe a importância do trabalho do tradutor.

Em vez de argumentar decidi fazer esse post contando a minha experiência com o mercado editorial.

Minha paixão por ler é tanta que acabei casado com uma tradutora, amigo de vários tradutores e profissionais dedicados da produção editorial como editores, preparadores, agentes, revisores e, claro, autores…

É! Essa é a primeira coisa que tenho para contar: raramente o livro é criação apenas do autor.

A auto-publicação é algo fascinante, mas quando você lê um livro independente e outro que passou pelo processo completo de edição a diferença é clara! Aliás tenho um ótimo livro sobre isso para indicar: How a book is born.

Outra coisa que posso contar é que o tradutor e o autor algumas vezes trocam ideias. É meio raro, mas é lindo quando eles fazem isso. Bem, quase sempre é lindo (implico com os trasgos da Rowling). A gente nota ao ler a versão traduzida.

Tem uma outra interferência criativa no ciclo de vida de uma tradução: as determinações da editora. Dependendo da visão que ela tem do mercado que será atingido por aquele livro ela pode não só determinar padrões como não usar palavrões como também mandar retirar trechos inteiros ou até modificar a obra. A discussão se isso é bom ou ruim eu vou deixar para outro post, certo? Mas no geral o que eu acho bom é que os livros vendam e formem mais leitores.

Finalmente tem outra questão: diferenças culturais.

Traduzir não é só adaptar “burning the midnight oil” para “fazendo serão”.

Outro dia me contaram de um capítulo inteiro de um livro que era um diálogo em um restaurante todo em cima de músicas americanas. Como traduzir isso? O capítulo teve que ser literalmente reescrito. Você pode ver essa história no episódio sobre tradução literária do Tradcast.

Imagine traduções do japonês, como é o caso de 1Q84, que estou acabando de ler!

Mas não precisamos ir tão longe! Vá numa livraria e dê uma olhada em A Culpa é das Estrelas. A tradutora Renata Pettengill (quero conhecê-la um dia) faz um excelente trabalho ao reproduzir a forma de comunicação dos jovens brasileiros que não é idêntica à dos norte americanos.

A essa altura só me resta dizer que já me corrigiram e eu aceitei: tradutor não é coautor! Tradutor é autor.

Imagem: São Gerônimo escrevendo – Caravaggio (1607) – Victor Alba de La Vega