Tenho notado que esse é um tema polêmico, mas sempre defendi e continuo defendendo que algumas obras literárias são divisoras entre eras, marcam, influenciam e são influenciadas por uma mudança de paradigma. Alguns discordam.

Adiei até agora a indicação mais preciosa que tenho para dar ao meu ver. Adiei justamente por causa dessa polêmica e porque sou obrigado a dizer que, se uma criança ler apenas um livro em sua vida (que são três) que seja a trilogia Fronteiras do Universo de Philip Pullman.

Até onde eu sei essa é a única obra de fantasia para jovens (talvez desaconselhável para os menores de 14) que nos convida a repensar os alicerces da nossa espiritualidade e da própria natureza da nossa alma e consciência sem temer dogmas ou deuses cruéis que nos ameaçam com o inferno se nos atrevermos a pensar por nós mesmos e colocá-lo em dúvida.

Naturalmente trata-se de uma obra humanista (o autor é membro da sociedade humanista secular) o que também é algo bastante incomum em um mundo marcado por uma certa onipresença dos modelos de pensamento do Magisterium, digo, da Igreja.

O primeiro volume da trilogia, A Bússola Dourada (rebatizado de Bússola de Ouro), chega aos cinemas em 25 de dezembro com as referências ao Magisterium, digo, à Igreja retiradas por solicitação do Magis… Ah! Você entendeu a ideia ;-)

Para falar a verdade essa primeira parte da trilogia mal deixa transparecer o que vem adiante e acaba sendo “apenas” uma obra incrivelmente original com personagens extremamente fortes (muito embora se mostrem muito mais fortes depois) e as questões filosóficas não farão tanta falta.

As coisas mudam de figura quando entramos no segundo volume da trilogia, A Faca Sutil (que felizmente não foi retraduzido para Faca Tímida ou qq outra tolice), e conhecemos o segundo protagonista, Will, ao mesmo tempo que começamos a conhecer melhor o que está em jogo no confronto entre o Magisterium que deseja manter controle sobre a liberdade de pensamento e Lorde Asriel que está empenhado em descobrir a verdade ainda que ela seja considerada heresia.

Esse é o pano de fundo, mas em primeiro plano acompanhamos Lyra e Will em uma jornada em que eles se deparam, quase por acidente, com uma mudança de paradigma impulsionada pelo que há de mais intrigante e surpreendente em nossas mais avançadas teorias da física brilhantemente inseridas na trama pelo autor de forma que não nos sentimos “lendo sobre física” e sim descobrindo o Universo junto com os personagens.

Já o terceiro volume, A Luneta Âmbar (que felizmente também não virou o monóculo marrom),  é mais difícil de comentar sem entregar algumas surpresas, mas é onde tudo acontece. Ao chegar no fim dessa jornada você no mínimo se sentirá livre para refletir sobre o mundo e buscar uma compreensão melhor da natureza do universo, de Deus e do seu próprio espírito do que aquela que nossos ancestrais foram capazes de apreender 2000 ou 5000 anos atrás.

Espero com esses “breves” argumentos ter deixado claro por que considero essa a trilogia essencial na estante de qualquer jovem de mente e alma livres!

A propósito, o que me fez decidir escrever logo esta resenha foi o lançamento de mais um trailer do filme onde vemos um dos principais personagens já dublado por Ian Mckellen.