Essa vai ser difícil de comentar!
Antes de mais nada: pode ler sem medo pois sempre me esforço ao máximo para não fazer spoiler, ou seja, revelar algo da trama que atrapalhe o prazer de lê-la.
Por que é difícil comentar 1Q84?
Rótulos. A gente facilita muito as coisas dando rótulos para tudo.
Quanto menos algo pode ser rotulado, mais interessante é, concorda?
1Q84 é pop, mas também faz uso de uma linguagem lírica e culta. É suspense, mas também é realidade fantástica. Faz referências a personalidades do passado que poucos conhecem intimamente, mas também parece um folhetim novelesco e assim vai.
O importante é: adorei a trilogia e acho que muita gente vai gostar.
A “inrotulância” não parece artificial. É o primeiro livro que leio de Haruki Murakami e não sei se ele é sempre assim, mas o resultado em 1Q84 é uma leitura que nos surpreende. É como olhar para a rua e notar coisas que nunca tínhamos visto que estavam lá.
Qual é a da história?
Temos dois personagens principais: Aomame e Tengo. Seus capítulos são intercalados e vamos descobrindo aos poucos as ligações entre eles e quem eles são.
Se me colocarem contra a parede e exigirem que eu diga qual é o estilo do livro eu diria “Suspense! Suspense!”
Só que não é!
Correndo o risco de ser criticado (bah! Estou sempre correndo esse risco mesmo) vou dizer que é um romance. Não um romance do tipo menina-menino-paixão, é um romance de vida, que apresenta vários personagens fortes que tem universos interiores vastos com seus sonhos, princípios e caminhos de vida.
Podem não ser os questionamentos mais profundos da História da Literatura, podem não ser os personagens mais ricos e nem o conteúdo filosófico mais sofisticado, mas é uma história que nos coloca sentados ao lado de algumas paixões humanas primordiais e, discretamente, nos leva a repensar nossos questionamentos, filosofias e riqueza interior.
Tenho receio de criar uma expectativa muito alta. Veja bem, há obras por aí muito mais ricas, profundas e complexas.
Em primeira e última instâncias 1Q84 é uma obra pop! Ela é feita para todos os leitores de praticamente todas as idades, culturas e estrato social.
No entanto é um pop muito bem escrito, com algumas preciosas referências a Tchekov e outros e que desperta reflexões que as chamadas grandes obras despertam.
Francamente, prefiro assim. Cultura hermética é muito legal para um punhado de leitores, mas uma sociedade que lê precisa do pop.
Quando o pop esconde algumas coisas mais profundas melhor ainda! Vejo inclusive uma tendência nesse sentido. Creio que a sociedade evolui então a arte acompanha.
Idade recomendada
Essa coisa de idade é uma tolice. Conheço menininhas de 13 anos que podem ler 1Q84 e adultos que não teriam maturidade para lidar com umas poucas cenas de sexo e a pouca violência que não passam de uns 3 momentos para cada uma (sexo e violência) e nem é nada muito gráfico.
Se já não escrevi sobre o problema das pessoas com sexo e violência tenho que escrever um dia…
Eu recomendaria 1Q84 para pessoas maduras, mas não por sexo ou violência, mas por um tipo de tensão que permeia toda a obra. É tudo meio esverdeado e escuro (inclusive a cor verde é muito citada).
Imagine pessoas tristes. Parece que falta algo a todos em 1Q84. Isso é meio angustiante e me parece difícil para quem não tem uma certa maturidade.
Pontos Fortes
É quase como se a história tivesse quatro protagonistas (você verá quem são) e, além disso, alguns deles são surpreendentemente complexos e nos fazem imaginar o tempo todo como uma personalidade daquelas pode ser possível.
Outra coisa que gostei muito, e observei que muita gente não notou, são os “ovos de páscoa” que permeiam a narrativa.
A cor verde é muito frequente, assim como o cinza. Haruki usa dois estilos de narração, um mais seco, outro mais lírico. Tem algumas coisas que ele faz com a passagem do tempo que também merece uma observação atenta. Enfim, a trama esconde segredos que ajudam a entender o mistério de 1Q84.
Quem gosta de música pode querer ler com a Internet à mão para ir ouvindo as que vão surgindo na obra. E elas encaixam de forma surpreendente em alguns casos.
A história se fecha muito bem. É coerente, não se contradiz e nos prende até o final.
Pontos Fracos
Você pode achar o final “morno”.
Quem não engole coisas fantásticas, sobrenaturais, provavelmente vai se incomodar.
Deixa umas – poucas – pontas soltas. Dá até a impressão de que o autor pretende criar uma continuação.
O Autor
O site Colherada Cultural já fez um bom resumo e ainda indica algumas outras obras dele para ler. Clique na foto para ir lá.
Ah! Tradução!
Em muitos casos os livros escritos originalmente em um idioma menos comum são traduzidos primeiro para o inglês e depois para o português. Não é o caso.
A tradutora Lica Hasimoto assina a autoria da edição brasileira traduzida diretamente do japonês. Gostei muito do trabalho e espero que esse elogio chegue a ela de alguma forma.
Além do trabalho dela a revisão e edição estão muito boas também.