Imagem: Promocional do filme
Li esse livro em junho e até hoje não tive coragem de fazer a resenha.
Tem obras tão delicadas que são como névoa modelada por uma vontade misteriosa que possui a brisa e materializa uma atmosfera única que captura nossos sentimentos.
Assim é The Virgins Suicides trazido para o Brasil pela Companhia das Letras com o mesmo título que o filme levou aqui: As Virgens Suicidas (tradução de Daniel Pellizzari).
Li em Inglês e não é uma obra fácil de traduzir, mas a Cia das Letras é uma boa editora e acredito que esteja bom. Vale lembrar que não basta o tradutor ser bom pois uma obra pode perder muito nas etapas seguintes se a editora pisar na bola.
Vamos ao desafio de comentar um dos livros mais suaves que já li.
Sim, a obra é, antes de mais nada, suave. Sabemos desde o título que as virgens se suicidam. Acompanhamos de fora perplexos sem entender o que as leva a isso já que nosso único contato com as jovens é pelos meninos vizinhos capturados por seu mistério e encanto.
Dizer que Eugenides é um artesão de imagens e devaneios seria horrivelmente impreciso. Um artesão usa ferramentas duras, formões, lixas, martelos e o que se materializa em nossa imaginação enquanto lemos The Virgins Suicides são imagens suavemente enevoadas, é possível sentir a atmosfera morna e úmida além do aperto no peito tentando estabelecer um fio de conexão com as moças na casa em frente. Eugenides molda fumaça e reflexos.
Sei que isso é vago, mas é a única forma que encontrei para tentar passar a sensação de ler esse livro.
Existe uma tensão constante, chegamos a torcer para que o final não seja aquele que sabemos desde a primeira página, no entanto essa não é uma história de suspense, é uma história sobre a vida quando se desconecta das outras vidas.
Jeffrey não cai no erro de tentar explicar, duvido que ele tenha sequer pensado nisso ou saiba o que realmente leva as virgens ao suicídio. E isso não é um spoiler pois a trama é cada página, cada momento mágico que vivemos enquanto acompanhamos as vidas daquelas meninas cada vez mais distantes do mundo… Pelo menos essa é a minha impressão, você pode ter outra totalmente diferente.
Você pode sentir uma tentação de culpar os pais, a mídia, nossa própria sociedade (na década de 70) sem valores claramente definidos, sugiro que resista a isso e se entregue a cada momento como se estivesse lá.
Não… Você não precisa ter medo de ter vontade de se suicidar ao imergir na história (atualizando em 2019: hoje entendo que o tema em si pode ser um gatilho) . As Virgens Suicidas é sobre amor à vida, sobre a intensidade com que os adolescentes se entregam a suas emoções e experiências. Na verdade, se você não é adolescente, pode sentir renovada sua capacidade de êxtase e perplexidade.
Pode parecer que estou exagerando, mas leia as primeiras páginas e creio que você entenderá.
Como o autor faz isso?
É uma combinação da escolha de palavras usadas de maneiras quase poéticas, um pouco por serem menos coloquiais, em parte pelo contexto em que são colocadas; momentos praticamente pintados a guache que nos inserem na atmosfera da pequena cidade e um tipo de perplexidade das personagens (os garotos vizinhos) que começam a descobrir o mundo de outra forma enquanto passam pela transição para a idade adulta.
The Virgins Suicides não é um desses livros repletos de aforismos, críticas sociais ou questionamentos morais, é uma pintura que se move dando vida a um período que pode estar se repetindo até mesmo hoje, nesse mundo tão veloz e conectado que vivemos. Ele é um alimento para a consciência e não para a razão, no entanto, é claro que a razão não vai muito longe sem a vivacidade da consciência.
O clipe e música do filme, na minha opinião, capturam muito bem a emoção do livro: