Certamente devo ter lido o original quando era criança, mas depois de décadas vendo e lendo versões derivadas, minhas memórias da história se tornaram uma colcha de retalhos!
Vi que estava no Kindle Unlimited e decidi reler! É uma história breve! Meras 122 páginas que vou comentar com o mínimo de spoilers, certo?
A Máquina do Tempo – Tradução: Braulio Tavares
Vou recomendar essa porque li uma tradução ruim e sei que o trabalho desse tradutor e da editora Suma é cuidadoso.
A primeira coisa que me surpreendeu foi a visão de H. G. Wells logo no início do livro quando explica a possibilidade de viagens no tempo, se não me falha a memória, foi uma boa década ou duas antes de Einstein seguir mais ou menos o mesmo caminho.
A ficção científica mais antiga com frequência tinha uma preocupação de fazer sentido cientificamente e vemos isso várias vezes pelo livro, muito embora, é claro, algumas suposições de Wells estivessem erradas.
Mesmo assim é prazeroso ver a visão científica afiada de Wells no livro, só que essa não é a melhor qualidade da história.
Bem… Talvez a melhor seja ter inspirado praticamente toda a ficção científica de viagem no tempo que veio depois, mas ao reler achei duas outras coisas que me surpreenderam e inspiraram.
Primeiro que na verdade a enorme maioria das obras inspiradas optaram por construir romances ignorando totalmente o caráter original da obra, então, ao ler A Máquina do Tempo, ainda encontramos uma história diferente que nos faz refletir sobre coisas que a maioria das adaptações não despertam.
Claro que as narrativas antigas são um pouco lentas para os padrões ultra-acelerados da modernidade, mas também é bom dar uma reduzida e saborear melhor a lenta passagem do tempo.
Temos, então, um viajante que que se projeta para o ano 802.701 e encontra um mundo profundamente diferente com os tais morlocks e elois que todos nós já devemos ter ouvido falar, mas as conjecturas dele sobre como essas duas culturas surgiram nos guiam por um caminho necessário e até essencial atualmente, afinal, para onde estamos nos conduzindo?
Também sinto falta de termos uma perspectiva de longo prazo. Hoje vivemos como se estivéssemos nas décadas finais da história da humanidade, mas se não estivermos? Que sementes queremos plantar para os séculos, os milênios, as eras que estão por vir?
A humanidade sempre lançou os olhos, e a mente, para o infinito e viver em uma perspectiva tão restrita que tem gente que foge para a crença em uma Terra plana contida em um domo, como um globo de neve, é anti-natural e destruidor para todos nós!
Humanos precisam de sonhos, precisam de utopias.
Não falei do segundo ponto, né?
As considerações de Wells sobre a organização social e econômica e suas possíveis consequências são instigantes, mas não foi esse o segundo ponto que me chamou a atenção na obra.
A todo momento o viajante do tempo (nunca chegamos a saber o nome dele) acredita ter desvendado um mistério sobre o mundo onde foi parar, mas no momento seguinte novas evidências surgem que o fazem repensar tudo e agregar novas hipóteses para construir uma teoria consistente.
A Máquina do Tempo também é uma necessária aula de pensamento racional e humildade para se desapegar das próprias convicções.
Imagem: Morlock segurando criança eloi, por Tatsuya Morino. Fonte: Time Machine Fandom.