Sobre a dificuldade de falar em crenças

Profecias não são previsões, elas são fruto de crença e falar em crenças é complexo pois o modelo de raciocínio nesses casos segue mais ou menos o seguinte roteiro:

  1. Sinto que isso é verdade
  2. Outros sentem igual, então deve ser verdade
  3. Buscar comprovações lógicas para a crença

Alguns nem precisam do segundo item.

Aqui tentarei seguir outra forma de raciocínio pois partir de uma intuição ou crença pode ser muito útil do ponto de vista psicológico, mas dificilmente nos leva a conclusões lógicas ou racionais.

De onde vem a síndrome do apocalipse?

Lá no final deste post há um artigo da Veja (quem diria?) que fala sobre isso, mas arriscarei um resumo da minha própria opinião.

O caminho da consciência instintiva animal para uma consciência racional (e porque não cósmica?) não é nada fácil.

Quando tivemos o primeiro lampejo da consciência que temos desenvolvido e da capacidade de raciocínio que a acompanha devemos ter nos petrificado de pavor diante de um universo vastíssimo de coisas que passaram a ter que ser explicadas e isso sem falar nas emoções e pensamentos que nos assaltam. Aliás, há um livro bem instigante sobre isso, Maya de Jostein Gaarder. A coincidência de nome é apenas uma coincidência, mas é providencial!

Desde o início dos nossos tempos como humanos temos enfrentado mais transformações do que nossa mente gostaria, basta pegar qualquer período de 20 anos na história da humanidade para ver que, quanto mais perto do presente, mais rápidas são as transformações. Não que não fossem rápidas nos tempos da Bíblia quando, num período de uns 50 anos (desde o nascimento de Moisés), profundas modificações ocorreram no império do Egito, ou nos tempos de Aquenaton.

É natural que, diante das profundas transformações que nossa cultura, tecnologia, economia, sociedade etc. estão passando; nós experimentemos uma sensação de morte. Erich Fromm já falava nisso em 1941 e não creio que estivesse muito longe da “verdade”: nós vivenciamos a transformação como se fosse uma morte.

O que dizem as profecias?

Sou um apaixonado por física desde os 11 anos quando comecei a ler A Evolução da física de Albert Einstein e Leopold Infeld (demorei anos!) e, do ponto de vista científico, não consigo levar nada a sério nas profecias, mas vou falar disso mais abaixo.

Há uma razão para todos buscarem profecias e creio que a razão é a busca por uma forma de consciência que se ajuste melhor aos nossos tempos.

Talvez as sucessivas falhas em prever o fim do mundo ou sua mágica transformação radical seja até uma forma de despertarmos para o fato de que somente o nosso trabalho lento e continuado de evolução consciente (a evolução caótica e inconsciente a gente já seguiu por muito tempo) é o único caminho para transformar nosso futuro e não esperar que o sol, Zuvuya ou qualquer outro fenômeno sobrenatural agite uma varinha transformando nossa consciência em um passe de mágica.

Aliás, sobre isso, há a brilhante graphic novel Dr Strange Shamballa de J.M. DeMatteis.

Das discussões que acompanhei e pelo que ouvi dos amigos que acreditam em um evento em 2012 percebi que, tirando a coisa dos cataclismos cinematográficos ou transformações mágicas tudo se traduz em mudanças de consciência, principalmente:

  1. Aprender a ver nas diferenças culturais, sociais, filosóficas e outras não um incômodo a tratar com tolerância, mas um maravilhoso fenômeno da nossa diversidade memética (não resisto a usar o termo ao menos uma vez) que deve ser admirada e festejada;
  2. O estabelecimento de relações mais justas entre países ou mesmo o fim dos países
  3. Tomar as rédeas do nosso desenvolvimento e buscar uma consciência maior do nosso caminho evolutivo
  4. Passar a conviver com nosso meio ambiente adaptando-nos a ele em vez de tentar adaptá-lo a nós (gosto muito dessa)
  5. Fim do controle da sociedade pelo medo e pela culpa característicos da cultura judaico-cristã. Essa também é uma boa meta: trocar a sociedade de controle do espetáculo (vide Guy Debord) pela sociedade liberadora do conhecimento (muito embora ainda haverá outras formas de controle nocivo a superar no futuro)
  6. Mudança do sistema econômico: na era do produto e do capitalismo cognitivo as regras de mercado da oferta e procura estão em xeque e realmente devem mudar
  7. Telepatia: comunicação ampla entre todos os humanos. Bem, para os conectados basta listar o Google Latitude, Twitter, internet móvel, marca-passo wifi… Se não fizer sentido é só googlar.
  8. A substituição da satisfação pelo consumo (comprar, comer, beber, festejar) que é predatória dos nossos recursos e pode ser útil para preservar os genes, mas nociva aos memes (ok, foi a última vez) por uma busca de satisfação pela criação, ou seja, em vez de destruir e consumir passaríamos a nos dedicar à nossa superação pessoal e coletiva
  9. Coletividade é um ponto falho em quase todos os discursos proféticos: a maioria parece satisfeita em ser salva da destruição enquanto os perdidos ficariam aqui para morrer. Essa é uma das críticas mais consistentes aos movimentos esotéricos, de autoajuda e da lei da atração que, acredito, tem interseções com os grupos que acreditam em profecias apocalípticas

Outro ponto preocupante é que parece haver uma certa unanimidade entre essas pessoas de que a nossa espécie é o anticristo ou coisa similar e que as profecias de alguma forma indicam a liberação da Terra da praga chamada humanidade. Esse impulso suicida e auto destrutivo pode nos causar problemas caso se torne uma crença predominante.

A ciência das profecias

Resolvi deixar isso para o final pois não vejo qualquer sentido na suposta ciência que apoiaria as profecias, mas simpatizo com as propostas de mudança de consciência que elas sugerem.

A data

É claro que faz sentido assumir que o solstício de verão (aqui no hemisfério sul) seria o marco do fim do mundo, afinal no hemisfério dos Maias ocorre o solstício de inverno que, na maioria das culturas sintonizadas com os ritmos das estações, marca o fim do ano e a necessidade de se preparar para as dificuldades do inverno.

No entanto se estamos falando em um cálculo baseado no calendário astronômico Maia (considerado 4x mais preciso que o nosso) então o fim do ciclo de 5125 anos não cairia no dia do solstício…

Considerando que o calendário maia era 4x mais preciso do que o usado hoje (que tem erro de 5h48m46s por ano teríamos que fazer o seguinte cálculo para compensar o erro:

12/21/2012 +((5125*0.2422) -((4/(3600*24))*5125)) days

Considerando uma sobra de 5h42m no cálculo acima e o que o solstício de verão em 2012 será às 9h18m isso nos leva a uma nova data para o fim do mundo: 15 de maio de 2016, exatamente às 15h de um domingo. Caso o mundo não acabe em 2012…

A Sabedoria Maia

Bem… Para alimentar as energias do sol eles matavam os inimigos vencidos em batalha e ungiam seus ídolos (frequentemente a serpente de plumas) com seu sangue. Na falta de inimigos ou em festas especiais eles sacrificavam crianças e mulheres.

Diante disso o hábito de deformar o crânio das crianças para lhes dar um formato longilíneo é só um senso estético duvidoso.

Seu esporte mais sagrado era um jogo de bola onde o líder do time vencedor era decapitado.

Quando os colonizadores chegaram a civilização já havia passado por um grande cataclismo e estava em declínio, muito provavelmente por ter esgotado seus recursos naturais.

Muitas culturas antigas desenvolveram surpreendentes conhecimentos de astronomia, mas isso não faz delas culturas sábias.

A Terra no centro da Via Láctea

De acordo com as nossas observações nosso sistema solar está a cerca de 32 mil e 600 anos luz (10 Kilo parsecs) de distância do centro da nossa galáxia o que se aproxima de 11 bilhões de quilômetros… É muito longe e o único registro de um fenômeno assim que eu conheço está na quinta temporada do seriado de ficção científica Doutor Who.

É possível que estejam confundindo com o plano central da galáxia.

Na imagem abaixo vemos a galáxia como seria vista de cima e nosso sol está marcado nela mais ou menos entre a borda do prato e o centro dele:

Fonte: Wikipedia

Agora imagine que você vire o prato para vê-lo pelo lado. Você terá uma imagem mais ou menos assim:

Fonte: Wikipedia

O plano central seria nesse caso o prato e é como se o nosso Sol uma hora estivesse sob o prato, outra hora acima dele. No meio tempo ele passaria por regiões mais densamente povoadas de estrelas.

Isso acontece a cada 35 milhões de anos e nesse momento estamos a vários anos luz desse evento o que certamente significa alguns milhares de anos, senão milhões até que isso aconteça.

Nibiru ou Hercólobus: o planeta assassino

A aproximação de um planeta (ou asteroide) gigantesco é outra causa frequentemente citada, no entanto temos que lembrar que Galileu, com um telescópio primitivo, foi capaz de ver os anéis de Saturno e nos séculos seguintes nós nos desenvolvemos exponencialmente: não há como um planeta gigante vindo em nossa direção não ser percebido com décadas de antecedência.

Nenhum observatório profissional ou amador detectou um corpo celeste candidato para ocupar o lugar do planeta assassino.

E não se trata apenas de ser visível, um corpo de enormes dimensões deixaria rastros gravitacionais facilmente detectáveis conforme caminhasse por nosso sistema solar e isso não aconteceu. Ninguém percebeu anomalias nas órbitas dos planetas, cometas ou cinturão de asteroides.

Os neutrinos de Hollywood

Logo nos minutos iniciais da superprodução de Hollywood, 2012, os Neutrinos mutantes são responsabilizados pelas mudanças no planeta.

Bem, há três tipos de Neutrinos conhecidos: elétron, muon e tau. Todos eles, por não terem carga positiva ou negativa e pesarem praticamente nada, são capazes de atravessar anos luz de uma parede de chumbo sem sequer tocar em algum átomo ou mais propriamente elétron, nêutron ou próton.

Podemos até imaginar que ventos solares de gases mais densos (muito embora nosso Sol ainda seja jovem e composto predominantemente de hélio e hidrogênio) poderiam aquecer nosso planeta, mas nunca vi um estudo que desse essa capacidade a neutrinos.

A quarta dimensão e outros fenômenos mágicos

A última causa mais frequente que achei para um suposto evento em 2012 envolve a passagem de algumas pessoas em nosso planeta para uma quarta dimensão e na intermediação de seres alienígenas ou espirituais que conduziriam ou nos auxiliariam nessa transição.

Bem… Isso extrapola totalmente a nossa ciência.

De acordo com o nosso conhecimento atual todos nós vivemos em um mundo com 10 ou 11 dimensões e somos seres quadridimensionais pois nos deslocamos no espaço (comprimento, altura e largura) e no tempo.

Fôssemos pensar em uma transição para outra dimensão teria que ser para a quinta de onde, supostamente, poderíamos olhar para o tempo como olhamos para uma linha e veríamos o passado, presente e futuro como uma coisa só.

Vale a pena assistir o filme Flatland:

Ou ler o texto que o inspirou: Flatland (gratuito no projeto Guttemberg)

Conclusão

O único fenômeno físico ou cósmico prestes a acontecer que pode nos atingir é o aumento da atividade dos ventos solares que pode causar apagões e danos em equipamentos eletrônicos, mas não vejo como isso poderia causar danos definitivos aos nossos sistemas lançando-nos de volta à era do fogo e da clava.

Todas as supostas confirmações científicas para as previsões Maias que encontrei eram fruto de mau entendimento da nossa ciência e não encontrei nenhum cientista sério (estou incluindo físicos blogueiros revolucionários) que confirme algum evento astronômico mortal.

Referências

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