Acabo de assistir o filme Hanna e tive a grata surpresa de achar mais do que um filme de ação. É claro que não se trata de uma obra prima sobre a natureza humana, afinal o objetivo é claramente ser um filme de ação, no entanto toda obra acaba contando uma história paralela e é isso que torna umas especiais. Hanna é assim.

A história está toda no trailer: uma menina é algum tipo de arma mortal geneticamente projetada que vai lutar para não ser presa, subjugada, morta, virar cobaia ou alguma coisa assim (você descobrirá ao assistir o filme, mas não é realmente o ponto central, esse é só o elemento para entreter).

O subtítulo “Adaptar-se ou morrer” pode ter um apelo comercial maior, mas para mim o filme é sobre outra coisa.

Hanna conhece tudo que precisa para sobreviver, mas nunca ouviu uma música. Ela sabe que músculos  estão envolvidos no ato de beijar, mas não está pronta para se entregar à sensação pois está, no caso dela com razão, focada em sobreviver aos terrores do mundo.

Exatamente como nós.

Estamos instintivamente programados para sermos hipnotizados pelo perigo, pelo que nos causa medo ou asco. Essa é a nossa herança genética e, nesse sentido, o subtítulo descreve bem o que vejo no filme: estamos deixando de viver a beleza do mundo por medos que já não correspondem à realidade.

Além disso, até que ponto somos escravos dos instintos genéticos? Até que ponto os memes, esses estranhos organismos digitais, podem nos ajudar a vencer a programação do medo e encontrar a chave da nossa consciência autônoma como sugere Gattaca? Que aliás, para mim foi o melhor filme de sci-fi da década de 90.

Gattaca gira em torno do poder da nossa vontade sobre nossas limitações físicas, já Hanna acaba abordando  a superação da nossa própria programação mental e justamente por meio da arte… Música e dança.

É bem possível que você esteja duvidando que filmes bobos podem tratar de assuntos sérios e várias pessoas que me conhecem pessoalmente me recriminam por usar literatura infantil, animes e outras formas de cultura “inferiores” para mostrar o que supostamente só Machado de Assis, Shakespeare ou Fernando Pessoa podem dizer… Mas eles falam a poucos e, o mais importante: as questões fundamentais da humanidade são maiores do que a sociedade do espetáculo (Guy Debord é outro dos escolhidos para decifrar o mundo) e, da mesma forma que os genes acham formas de sobreviver e se multiplicar essas questões encontram seu caminho entre as páginas de quadrinhos e até em filmes pipoca e, quanto menos as percebemos melhor para elas pois se infiltram discretamente em nossas mentes causando seus efeitos benéficos… ou maléficos.

Os de Hanna, francamente, acho que são benéficos.