Apesar de ser um filme já com 26 anos vou evitar os spoilers.
Por que tô comentando?
Se o filme é tão antigo por que estou escrevendo sobre ele, bem, porque nunca escrevi e porque é daqueles filmes que a gente vai “dar uma olhadinha” e quando se dá conta já viu o filme inteiro, apesar de não ser curto. Além disso o tema e a abordagem continuam sendo úteis.
Sinopse
O filme acompanha a jornada da protagonista Ellie, encantada desde a infância com as possibilidades de fazer contato com pessoas distantes, em busca de sinais de contato de outra civilização fora do nosso sistema solar até que, óbvio, afinal é nome do filme, faz contato.
No livro Carl Sagan explorou uma infinidade de impactos na sociedade, na economia, política, crenças, cultura da descoberta inequívoca de que não estamos sós.
No filme deu-se mais destaque aos questionamentos da fé, mas não considero isso um desrespeito ao autor, já que no livro ele deixa espaços para reflexões muito mais metafísicas que no filme, apesar de ter sido publicamente ateu. Mais sobre isso mais tarde.
Reflexões no passado e hoje
Li o livro antes de ver o filme (penso até em reler pois li apenas uma vez há uns 30 anos) e preciso começar pelo que lembro de ter pensando durante e o fim da leitura.
Até então era comum uma visão binária: a descoberta de civilizações extraterrestres vai causar caos ou deslumbramento. No entanto Sagan conseguiu, se bem me lembro, combinar o caos e o deslumbramento desde o espaço coletivo até no individual.
Será que queremos passar por isso? Será que a humanidade está pronta? E ver o crescimento de delírios conspiracionistas e e descolamento da realidade dos últimos 10 anos devia nos deixar pelo menos preocupadas com isso. Sagan nem sabia que estaríamos nesse ponto hoje e já imaginou bastante caos, não só social, religioso etc, mas existenciais também.
Quando vi o filme pela primeira vez a cena que mais me marcou foi a que usei para ilustrar esse post, mas ao rever agora fico com uma das falas finais da Ellie (inclusive com uma interpretação da Jodie Foster de tirar o fôlego).
O que ficou datado?
Aqui tem risco de algo que você pode considerar spoiler muito embora eu não vá comentar nada da história e sim como ficaram alguns questionamentos religiosos-científico-filosóficos no filme.
Para você ter tempo de decidir vou colocar mais um parágrafo aqui. Tanto no livro quanto no filme tomou-se o cuidado de não assumir lados, não dizer alguma das opiniões está certa ou errada (tirando, claro os fanatismos conspiracionistas delirantes).
Mais um parágrafo hehehehe: vou comentar só frases do filme porque precisaria reler e fazer anotações para falar do livro.
Vamos lá.
Ainda hoje, ainda há pouco inclusive ouvi uma palestra sobre tarô que mencionou isso, nós nos perguntamos sobre o papel da religiosidade e da ciência ou da filosofia em busca de sentido para a vida, de orientação moral.
Enquanto assistia o filme quase achei alguns diálogos infantis (estão bem escritos demais para ficar infantis), mas então percebi que parecem ultrapassados para mim, mas não para todes, então não estão ultrapassados, certo? E posso estar errado, claro.
Entendo a tentação de buscar sentido na ciência, afinal ela é uma ferramenta que nos apresenta respostas sólidas e objetivas e não percepções pessoais, subjetivas.
No entanto há muito tempo deixei de buscar sentido ou moral na ciência e esse é um ponto que preciso criticar no filme, no momento que se sugere em um diálogo que a ciência está falhando em nos oferecer essas coisas, mas só estamos procurando nela porque… Ia dizer que as religiões estão falhando (e estão pq foram sequestradas como ferramentas para romper o tecido social), mas estamos falhando também em desenvolver a humildade que aceita que há muito no Universo que simplesmente não vamos entender no nosso tempo de vida, como quem a origem do Universo, da vida, o que é consciência, o que é alma.
Em outro momento discute-se quem deveria responder ao contato dos alienígenas e questionam como pessoas ateias poderiam representar a humanidade quando 95% das pessoas acreditam “em Deus”.
No filme essa é uma discussão perdida, mas creio que hoje talvez já possamos considerar o contrário.
Afinal… Que deus? Jeová? Allah? O do espiritismo? Do induísmo? Das centenas ou milhares de povos originários que ainda cultuam seus deuses? Quem, senão uma pessoa que não tem preferência por nenhuma fé poderia falar com respeito a respeito da diversidade de crenças humanas?
Claro que temos o problema, abordado no filme, de que muitos ateus consideram que os crentes são delirantes e inferiores. Mas não era o caso do autor, que, como eu disse, no livro nos apresenta a possibilidade de uma realidade ainda mais mística do que a apresentada no filme, que tende muito mais para o agnosticismo.
Claro, também, que o filme acaba influenciado pelo eurocentrismo, aliás nem isso, pelo “estadunidoscentrismo” esquecendo totalmente da diversidade humana, seja genética (que na verdade é até bem pequena), cultural, social, religiosa. Isso também pareceria datado se os EUA ainda não continuassem com a visão tão curta quanto há 30 anos.
Conclusão
Sessão para a galera do “longo demais, me dá um resumo”.
Contato não é um filme de ação, é um filme de reflexão com alguns momentos de deslumbramento, outros de passar raiva porque previu bem demais a nossa capacidade de nos desconectar da realidade.
No entanto, mesmo bem menos abrangente que o livro, ainda nos oferece diálogos para reflexões muito atuais e disruptivas!