Esse post falará sobre o filme (ao contrário dos censores eu o assisti), mas creio que há uma questão mais importante e começarei por ela: O que leva nosso país a recorrer à censura e qual é o efeito disso?

Talvez alguém venha dizer que essas proibições não são atos de censura e sim medidas para impedir a apologia a essa ou aquela perversão, no caso específico a pedofilia.

Bem, quem vê estímulo à pedofilia nesse filme tem problemas muito, mas muito sérios e devia ser mantido preso. Felizmente, de acordo com vários jornais, os autores dessa censura não assistiram o filme.

Sempre fiquei perplexo com esse impulso de impedir que coisas sejam ditas, entretanto recentemente creio que comecei a entender: existe uma certa crença de que a violência vem de fora de nós e que a sabedoria é a ausência de más influências. Ou seja, se levarmos uma boa pessoa para ver cenas de violência ela se tornará uma má pessoa. Se impedirmos alguém de saber que há maldade no mundo essa pessoa se tornará boa e o próprio planeta será mais feliz.

Isso me lembra bastante de Veludo Azul, um filme que começa mostrando uma cidadezinha aparentemente perfeita, mas logo a imagem se fecha na grama mostrando que, sob o belo tapete verde, besouros se enfrentam selvagemente.

Assim é a nossa sociedade: a pornografia a cada dia se torna mais perversa retratando o sexo como um ato de dominação e humilhação das mulheres. Nossas crianças com 8 ou 9 anos já estão esbarrando nesse tipo de filme graças a  uma infinidade de formas de encontrá-los online.

Uma parte preocupantemente grande dos nossos gestores parecem crer que esconder esse universo nos protegerá dele ou que as perversões são consequência do conhecimento dessas coisas e não que essas coisas estão acontecendo porque nossa sociedade mostra traços consideráveis de perversão.

Não: fechar os olhos, esconder os fatos, lançar um véu de silêncio não promove a sabedoria. O segredo só favorece o erro. Bem… É até meio estranho falar isso pois é óbvio, mas… Se não olhamos nossos problemas de frente não podemos resolvê-los.

Veja bem que não sou um moralista. Acho sexo ótimo. Acho que as crianças deviam ser livres para descobri-lo a seu tempo e realmente só vejo beleza no corpo humano e no ato sexual, mas os medos e inseguranças modernas contaminam nosso comportamento e criam espaço para uma indústria que não tem nada a ver com sexo, tem a ver com violência.

Como são feitos os filmes pornográficos que assistimos nos motéis e muitos acham que devem ser censurados para crianças, mas acham que os adultos podem ver? Quais são as condições sociais que levam pessoas a escolher a carreira de atores pornográficos? Será que todos vivem no glamour da indústria dos EUA ou será que o padrão é a indústria sugerida no sérvio “Terror sem Limites”? A propósito, será que esse mercado é mesmo saudável nos EUA?

E quanto a outros tipos de violências como os snuff films?

E quanto ao culto ao ódio em tantos filmes de ação onde o mocinho, ferido emocionalmente pela morte dos entes queridos sai em campanha de vingança em vez de chorar sua perda?

Essa indústria pode não criar psicopatas como o que assassinou mais de 70 jovens em Oslo recentemente, mas lhes serve de estímulo e nos ajuda a achar a violência como algo natural e a nos mantermos apáticos diante dela.

A situação que temos visto é carta branca para fazer apologia à violência física, moral, sexual.

O que é proibido é o que incomoda, mas incomoda justamente porque denuncia o rumo que podemos estar tomando ao ir aceitando diariamente as pequenas e médias violências que vão do “bandido bom é bandido morto” ao “amo os homossexuais, é a homossexualidade que eu abomino”.

É claro que há diversos filmes que consistem em pura e gratuita violência, mas é absolutamente ridículo quando os pedidos de restrição e censura partem de quem simplesmente não assistiu os filmes!

Respondendo as duas perguntas iniciais:

  • Por que ainda censuramos: aparentemente impelidos pela emoção e não pela razão. “Isso me incomoda, ninguém pode ver isso”. Outra razão parece ser ideia de que as fantasia molda a sociedade quando, mais provavelmente, é a impunidade, a corrupção, a falta de acesso à cultura (que nos deixa sem perspectiva de vida), injustiças socais e violências urbanas que nos fazem buscar mais violência na fantasia para nos anestesiarmos ou nos prepararmos
  • O que a censura favorece: tenho certeza que ela ajuda a perpetuar as perversões ao envolver os produtores de perversidade em um véu protetor. No esforço de proteger a sociedade não só a deixamos desprotegida como protegemos seu submundo mais obscuro.

E o filme? Como é?

Terror Sem Limites é mesmo um filme pesado. Na mesma linha de Videodrome e 8mm, mas bem mais violento. Entretanto não é tanto a violência física, há filmes bem mais violentos, mas pela violência moral e pela desconfiança que temos durante o filme que boa parte do que vemos nele acontece de fato em algum lugar. Está acontecendo agora.

Creio que uma parte das pessoas que assistirem o filme deixarão de assistir filmes pornográficos e terão enorme rejeição a qualquer uma das sugestões de pedofilia tão comuns na cultura de massa moderna.

A história é simples.

Vou evitar ao máximo os spoilers (entregar as viradas da trama do filme estragando a sensação de descobri-las por conta própria).

A história básica pode ser contada sem problemas: Um ator pornô sérvio parado há alguns anos e já com problemas financeiros para manter sua família é atraído para fazer um filme recebendo uma grana preta e se vê engendrado em um mundo de perversões crescentes cujo foco principal é a humilhação e controle em uma forma de sexo onde um é sempre o dominador e o outro é o dominado.

Naturalmente há um personagem invisível na história que são os milhares de pessoas que pagam caro para assistir.

Sim, há uma cena de estupro de um recém nascido. Fiquei enjoado e, francamente, volto a dizer que quem vê qualquer tipo de apologia a pedofilia ou violência nesse filme devia ser atirado em uma masmorra e esquecido lá!

Apesar da cena ser uma das mais ultrajantes que já assisti ela não é o ponto mais ultrajante no filme.

O final é mais ou menos previsível, mas o diretor soube reservar duas viradas nos últimos 15 minutos que fecham a obra de forma coerente e positiva.

A obra não é essencial para trazer a questão da perversidade à tona, há várias outras formas, fontes e obras que trilham os mesmos caminhos como Blue Velvet, Videodrome e 8mm, mas essas também não são as únicas formas. Há bons trabalhos jornalísticos que não apelarão para o descortinar violento da realidade. Eu mesmo preferia não ter assistido o filme, entretanto confesso que o resultado dele em mim foi positivo, me sinto mais consciente dos riscos que estamos enfrentando.