É uma sala laranja. Me afundo em um sofá laranja observando com o zoom da filmadora as pequenas rachaduras na parede laranja.

Ao meu lado uma longilínea figura acinzentada balança uma velha fita VHS mofada supostamente com horas de filmagem das fotografias do acervo devorado pelas chamas de Helio Oiticica.

Um grande artista reduzido a 640X480 pixels.

– Se eu fosse você jogava tudo na Internet – tive que dizer

– Você tem duas coberturas na Av. Atlântica? Não precisa de dinheiro?

Pensei que não, pelo menos não ao custo de entregar a arte à língua ígnea da propriedade intelectual ou do esquecimento (felizmente fora da crônica parece que muito se salvou).

Tivessem fotografado, reproduzido, copiado e remixado Hélio Oiticica hoje ele seria imortal, sua voz ecoaria entre nós conforme-nos lançamos ao espaço explorando novas fronteiras.

Quantas figuras cinzentas e longilíneas terão fragmentos preciosos de grandes obras escondidos em seus armários esperando a chance de se se fazer rico com o trabalho de outros? Com o trabalho da própria humanidade?

Essa Malvina Cruela pode ser fruto da minha imaginação febril, um fantasma que saltou das rachaduras da parede diretamente para a minha retina através do zoom de uma câmera digital, mas receio que haja muitas como ela.

Minha personagem com certeza aceitaria destruir a fita por um bom preço…

E lá vai ela pelo corredor, agarrada ao sonho de vender as torpes imagens de 640X480 por uma pequena fortuna, comprar suas coberturas, viagens para a Europa e um guarda-roupa cheio de sonhos, mas nenhuma arte.