Cara… Fui muito burro, por muitos anos… Não, burro não, porque eu não estava sozinho e não é justo dizer que foi burrice. Nossa intenção era das melhores, o sonho era lindo, e a gente foi entrando na cilada aos poucos e nem notamos o que estava acontecendo.

Tô falando de redes sociais online e da cultura influencer. De como “lugares” onde fazíamos amizades forem virando lugares onde “influencio, logo existo” (ou sinto que influencio) e se isso sequer é real ou mesmo desejável: pessoas que influenciam o mundo ou carregam o peso dessa responsabilidade.

Essa semana estava no lançamento do livro Fora dos Planos, da Natalie Gerhadt no Beco das Palavras (não tem site), um lugar adorável e escondido numa sobreloja que atravessa o prédio de frente aos fundos e combina livraria, brechó e antiquário. Tem um café e devo voltar lá pois é perto de casa.

Pois bem, estava conversando com algumas velhas amizades e novas conhecidas e, como tenho pensado muito em redes sociais… bem, na verdade o mundo todo tem pensado muito em redes sociais, né? O que era estranho em 1994 quando a gente convivia em BBSs, depois NewsGroups, IRC etc virou mainstream depois de 2008 e agora estranha é a pessoa que não está mais em redes online.

E foi assim que caímos no papo, quando contei que, apesar de viver em redes sociais online desde 1994 eu já não estava mais em nenhuma das conhecidas. Justo eu, que entrava até no Plurk (e cito ele com uma razão), e que hoje estou apenas em uma, no Fediverso. Caras interrogativas para todo lado.

Essa foi a primeira “caída de ficha”: Algumas pessoas são cyberpunk. Não é que a gente tente ser diferente, a gente gosta de explorar novas realidades, a gente gosta de liberdade, a gente é atraída pelo diferente, pela diversidade.

Teve momento em que as redes sociais online começaram a virar o comum e, claro! gostei disso! Não era mais o estranho. Achei que era a voz das pessoas se levantando, como o Aplusk (@ do Ashton Kutcher no Twitter) chegando a um milhão de seguidores antes de um grande banco ou jornal, já nem lembro, não era isso que importava, era a voz do povo se colocando em pé de igualdade com a voz das super potências políticas e econômicas.

Foi uma época muito doida! Até então, como era desde o começo, a gente soltava na rede um ideia como “Tem peça da Denise Stoklos (guardado no Internet Archive), ela é foda!” e juntava 40 pessoas! Tinha evento que os organizadores perguntavam de onde tinha vindo tanta gente: Do IRC dizíamos. Teve o tempo do Orkut também! Mas acho que nada supera os encontros de BBS pq BBS eram locais. Os do Centroin juntavam literalmente centenas de pessoas uma vez por mês! Fechávamos um restaurante de três andares. E ainda tinha os T3 da galera mais ativa e livre, que acontecia toda terça e juntava “só” umas duas dúzias.

Estou contando tudo isso, e quando comentei por alto no Beco das Palavras as pessoas ficaram de queijo caído, porque é importante lembrar que as redes eram sociais.

Tinha outro aspecto, no entanto, que até já falei: a gente sonhava com o equilíbrio da voz do povo e da voz “do sistema”.

Eu sei… eu sei… Muita ingenuidade. Mas é fácil dizer isso agora, depois de ver tudo que aconteceu e, principalmente termos tido tempo para uma reflexão essencial: não era a voz do povo, era a voz da minoria conectada.

Vale lembrar que sobram livros, palestras e artigos falando sobre “a inversão da pirâmide da comunicação”. Não foi burrice! Fomos ingênuas e idealistas! Na verdade… prefiro continuar ingênuo e idealista se isso me permitir olhar para o futuro com esperança e para o presente com empolgação!

A gente foi seguindo nas redes sociais enquanto viravam plataformas comerciais sociais porque nos deixavam soltas enquanto procuravam seu modelo de negócios e a gente achava piamente que esse modelo não seria nocivo para nós. Agora tenho amigos e parentes cheios de paranoias… Tanto no espectro conservador quanto no progressista.

Teve gente que notou bem cedo e já migrava para o Fediverso ou mesmo pro Plurk (olha ele aí) criado logo depois do Twitter para onde um monte de gente foi logo de cara e nunca se interessou pelo Twitter.

O Plurk nunca foi mainstream. Infelizmente eu estava hipnotizado pelo ativismo online e não acompanhei aquela comunidade (acabo de receber um convite de amizade pq passei por lá hoje) que está lá sendo feliz, conversando sobre as coisas da vida, construindo redes… sociais. Enquanto a gente mergulhava nos “grandes feudos” tinha gente que seguia nas periferias criando vilas muito mais aprazíveis. Pelo menos os blogs eu mantive!

A partir daqui faça uma pausa para ouvir Je Veux, da Zaz, tá com legenda em português. Esse é o espírito desse post. Depois continue a ler!

A propósito, entre o parágrafo anterior e esse, fui ao teatro assistir a biografia musical de Elvis Presley, O Rei do Rock. Acabei pensando em como a fama ou as posições em que temos (ou achamos ter) poder, acabam tomando conta da gente, como perdemos contato com as coisas “pequenas” porque estamos em uma grande missão, uma grande história. Mas a grande história, o papel de herói de verdade acontece entre as pessoas próximas. São essas vidas que vamos mudar e nos mudarão profundamente.

Atenção! Não estou dizendo que devemos nos alienar. Tem algum bug na mente humana que nos leva para o “ou é isso ou é aquilo”. Ouço muito quando digo que é sensato ter um app de mensagens além do WhatsApp, atenção no “além”, e frequentemente me dizem que não podem abandonar o WhatsApp… Talvez seja porque muita gente gostaria de fazer isso, mas se sente presa… Mas esse é outro assunto! E para outro blog, o Meme de Carbono.

Estou dizendo que a humanidade avança coletivamente. Que é a massa crítica de trocas de ideias que nos faz ter mais voz que os grandes poderes… Outro assunto que é para outros posts (lá no Meme) é que não dá para ter voz coletiva nas redes dos “grandes poderes” eles tem algoritmos que nos influenciam muito mais do que gostaríamos de acreditar e podem contar com a cultura comum de influencer que já está bem estabelecida. Só dá para ter voz coletiva na Internet livre, em blogs, em redes federadas como o Mastodon, mas, como disse, são assuntos para outras horas, para outras bandas.

O assunto aqui é que a gente tá se consumindo com o peso de carregar a humanidade e sequer sabemos se as nossas soluções são as melhores, se está na hora delas. Além disso a gente se debate desesperadamente e parece que nada muda ou muda para pior. Claro! Estamos tentando derrubar a montanha de uma vez em vez de cavar cavernas estrategicamente, de criar acampamentos e comunidades que nos abracem e se fortaleçam coletivamente.

É na mesa da cozinha, na interação real (não necessariamente off-line) que a gente cultiva novos mundos, novos caminhos e, mais importante que tudo, cultivamos a vida, o abraço, a intimidade que nos mostra que não estamos sós. As coisas que nos dão prazer em viver e renovam nossas forças.

Parece o fim do post, né? Mas tô escrevendo no ritmo do fluxo de ideias… Vou reler, pera aí… Ah! Antes de reler! Lembrei de outra coisa que estava comentando ontem no Mastodon!

Um amigo, que vejo off-line raramente, mas que é muito íntimo online e com quem sempre converso pelas mais diversas bandas cibernéticas, do Mastodon ao XMPP passando pelo Signal e pelo Simplex (também assuntos para o Meme de Carbono) me mandou um vídeo comentando os recentes comerciais da Apple promovendo as IAs dela e como parecem sugerir que GPT é para pessoas egoístas, sociopatas, desonestas, preguiçosas.

Vou linkar o vídeo, mas antes é bom lembrar que ventos a Apple e o mundo navegavam há menos de duas décadas, quando as redes sociais online nem eram comerciais ainda.

Think Different

Pense como a média

É bom lembrar que tudo que as IAs GPTs fazem é recombinar o senso comum em outras palavras.

E o que tem isso a ver com redes comerciais sociais?

Nada, mas é outra camada de desumanização se colocando entre nós. Por isso eu coloco em todas as páginas um aviso de que nenhuma GPT foi usada para criar os posts neste blog. Achei necessário colocar isso aqui.

Pronto! Agora vou ver o que escrevi ontem!

Li, fiz umas correções e adições e já posso concluir o post! Tem que ter uma conclusão, né? Até para quem é do TL;DR (to long; didn’t read – muito longo; não li).

Conclusão!

Talvez, porque a humanidade até pouco tempo se agrupava em pequenas tribos com poucas centenas de pessoas, a gente tenha o impulso de ajudar a coletividade, de fazer diferença, de ter voz!

Por um tempo, desde o despertar do ciberespaço nos anos 90 no século passado, a gente começou a fazer tribos cibernéticas e era lindo! As pessoas fora do padrão, as pessoas diferentes podiam se encontrar em pradarias muito mais extensas que o binômio vizinhança/escola ou trabalho. E de perto todo mundo é fora do padrão, todo mundo é diferente.

Aí aconteceram duas coisas: as tribos dispersas em vários BBS, em diversas newsgrups etc. foram se reunindo em torno de poucas “montanhas”: Twitter, Snapchat, TikTok, as da Meta.

No começo foi legal! Podíamos encontrar gente que não estávamos encontrando antes e dava para transitar entre as diversas montanhas e suas comunidades.

Aí deu tudo errado. As montanhas foram enshitificadas, bostificadas, merdalhadas. Foram virando lugares para reclamar, para circundar em torno de celebridades e de quem viralizava. Passamos a sonhar com muitos likes, muitos seguidores e esquecemos de como era muito melhor juntar uma galera em um bar, um cinema, um teatro. Até para espetáculos de dança contemporânea eu levei um monte de gente que nem sabia o que era dança contemporânea!

Mas a gente não chegou no “fim da história”. A Terra continua girando, os ciberpunks continuam a dois bits de distância mantendo sites como esse, criando novas formas de conectar pessoas em torno de pessoas! E o cansaço é o termômetro que nos diz que está na hora de se libertar dos casulos da Matrix e viver no mundo real, que felizmente não é apocalíptico como o de Matrix.

Novas redes sociais online estão surgindo pensadas para serem redes de pessoas, mas também é válido simplesmente voltar às redes offline, pq não? Cabe a cada um analisar o que está está recebendo ao estar nesses ambientes. Se quando deitamos para dormir sentimos que desperdiçamos tempo de vida vendo gatinhos demais, tretas demais, trends divertidas demais, pode ser melhor buscar bandas mais humanas ou mesmo os abraços calorosos no mundo não digital…

Imagem que ilustra o post:

PxHere