Atrás da cozinha do apartamento da minha infância tinha um tipo de quartinho espremido.

Logo ao entrar ficava o tanque onde eram lavadas as roupas e mortas e depenadas as galinhas. Na época era comum matarmos nossa própria comida em casa, menos os bois e porcos.

Ao lado ficava um chuveiro e, fazendo uma volta de 180 graus chegava-se ao estreito depósito com um basculante para o banheiro.

Logo na frente do tanque era onde a Ada se sentava para dar vida à máquina de costura da minha mãe com seus pés e aqueles joanetes que pareciam asas de tão grandes.

Na época também era comum fazer as próprias roupas em casa, mas nem imagino de que bairro distante vinha a Ada carregando seus sessenta e tantos anos para trabalhar lá em casa a cada três meses.

Só sei que para ela Deus era o Sol.

E eu, moleque precoce e leitor da série de livros de ficção científica “Monitora” achava engraçado, mas reconhecia a poesia daquela crença simples e entendia como, para quem vive dentro da criação de Deus e não entre os nossos devaneios de concreto, o mundo cristão pode ser estranho.

Hoje a Ada é apenas uma lembrança, mas aquele dia numa tarde quente quando ela me falava do Sol lá no alto dando luz e calor sem olhar a quem ainda me deslumbra como se acontecesse agora mesmo enquanto escrevo.

E pensar que tudo isso surgiu quando, no caminho para o trabalho hoje,um par de pés fez do corredor do ônibus passarela para os estranhos joanetes ao lado dos mindinhos.