Estou diante de uma vitrine no shopping vendo se os preços já caíram o bastante quando vejo a figura… Tem gente estranha nas ruas hoje em dia!

O sujeito usava um saco de batatas no lugar das roupas, sandálias fransiscanas e barba longa, mas era uma figura carismática apesar de olhar ao redor com um ar meio perplexo e perdido e… bem… ele estava coberto de fina areia do deserto… Juro que ouvi uma risadinha invisível em algum lugar perto de mim.

“Olá! Você fala a minha língua?”

Falava… Mas ele falava como se ficasse surpreendido com a sonoridade da própria voz e tinha um sotaque forte além de uma tendência um pouco irritante de falar rimando.

“Não está certo” ele disse “Devo me confundir com as pessoas por perto! Onde posso conseguir roupas como essas? Cortar os cabelos como o vosso?”

Levei-o a um barbeiro e uma loja ali no shopping mesmo, achei que sairia caro, mas ele puxava assunto com todo mundo e, por algum motivo, os gerentes doavam as roupas ou os funcionários faziam vaquinha para pagar o pouco que ele comprou: um jeans, não quis usar cuecas, uma sandália mais confortável e uma blusa de malha.

Ele estava muito curioso sobre as festas de final de ano e escutava com as sobrancelhas enrugadas todo o papo sobre o nascimento de Cristo.

Sentamos para beber um açaí (ele preferiu camucamu) e…

Você pode achar estranha essa minha facilidade em ficar à vontade com uma figura tão singular, né? Mas saiba que estou acostumado, sou uma pessoa expansiva e, além do mais, todo mundo se sentia instantaneamente à vontade com o cara pelo jeito simples que ele tinha, parecia um lavrador, uma pessoa muito simples, e olhava para as pessoas com profunda contemplação.

… disse a ele que estava desconfiado que sabia quem ele era.

“Não tem nada que eu possa fazer para impedir essa coisa toda de Natal, tem? Eu errei em algum lugar?”

Foi tudo que consegui dele a respeito de qualquer coisa espiritual ou religiosa, mas expliquei que já se passaram 2 mil anos e que a coisa não é tão ruim quanto parece, que Cristo é um bom exemplo para muita gente ainda.

O resto do dia foi em passeios pela rua…

Ele dava água e conversava rapidamente com mendigos que depois iam em busca de um lugar para tomar banho, arranjar roupas e emprego.

Dançou na praia com um grupo de jovens que fumavam maconha depois de provavelmente ter passado a noite transando (ele mesmo não devia ter mais de 22 anos).

Disse duas palavras (que não escutei) para um evangelizador que o abordou dizendo que ele precisava da couraça de Jesus. O pobre homem saiu correndo e chorando.

Passou quase 40 minutos escutando um grupo de crianças numa livraria e depois disse apenas três frases: Só os bobos tem certeza! Quem é esperto sempre duvida do que sabe! Não deixem nunca que digam para vocês qual é a verdade!

Mais tarde ele disse que a única coisa que o preocupou foi o jeito como andam matando a imaginação das crianças.

Ele passou diante de uma igreja, mas achou muito estranho quando expliquei o que era e não quis entrar. Cheguei a dizer “Pois é, você está sob cada pedra, nas nuvens que passam nos céus…” e ele me olhou quase gargalhando com minha ideia ridícula dizendo que “Ora! Que ideia! Eu estou aqui, do seu lado! Quem está nas nuvens é você bom amigo!”

Eu não aprendo a ficar calado…