Imagem: Alex Wigan – Flinders Australia

Esse conto foi inspirado e é uma visão de outro ângulo do conto O Presente da Cegonha da Vivi Maurey.


O vento, uma brisa suave, desliza entre minhas penas causando leves arrepios. Observo as ondulações da água do lago ao redor das minhas pernas estáticas da grossura de juncos. As ondas se afastam lentamente; tão lentamente quanto as nuvens no céu e os pequenos peixes que logo desaparecem nas águas turvas.

Estou sem fome e apenas observo o tempo frenético dos outros, sim, pois nós vivemos o tempo ao nosso gosto e nos agradam segundos convertidos em horas, dias em séculos e hoje estou cansada de uma longa travessia por algo muito mais turvo que a lama no fundo do lago onde meus dedos se acomodam confortavelmente.

Há uma pequena humana ao meu lado. Há quanto tempo ela está ali? Ela parece ansiosa. Humanos sempre parecem impacientes. Tão agarrados ao tempo, entretanto parecem desconhecer os meios de percebê-lo, vivê-lo, estendê-lo.

Logo estará morta, a menina. Enquanto volto meus olhos para as nuvens posso ver os pais dela se conhecendo, o nascimento barulhento dos humanos, a primeira risada, o último suspiro, a pele macia e logo enrugada… Viverá bastante para um humano, mas sofrerá. Pobre menina. Ignora as consequências do encontro do seu fluxo de tempo com o meu.

Já estou observando as nuvens demoradamente o bastante para a luz do Sol mudar e o humor do vento se esfriar, mas ela continua ao meu lado, a menina, a anciã, também observando as nuvens. Ela conhecerá as regiões obscuras antes do que pensa e será vista como louca, elas sempre são vistas como loucas, essas pessoas imprudentes que se afastam do caminho do próprio tempo e mergulham nos tempos alheios.

Pobre criatura.

Toco sua mão com minha cabeça e alço voo. Pobre criatura…


Em homenagem ao dia mundial do livro.