O olho ardia, as horas se atiravam no coração da madrugada, mas ele se agarrava ao fio de consciência como se o sono que ameaçava dominá-lo fosse o prelúdio da morte inevitável.

Apenas o brilho azulado do monitor ilumina o rosto com barba cerrada e olhos vidrados atrás de óculos fundo de garrafa.

Um pequeno quadrado refletido nas lentes reproduz o movimento tenso e lento das imagens na tela. Um fio de suor escorre pela testa calva.

Uma ilha no centro de diversas outras perdidas na escuridão. O homem olha ao redor sem ver até onde se estendem as baias ao redor da sua e imagina que se estendem até o infinito e que seus dias se esgotarão naquele labirinto onde certamente se esconde um Minotauro, talvez um exército deles.

Tomado por um pavor repentino de ser visto pelos monstros que sua imaginação esconde nas sombras ao redor ele volta a sentar atento para os ruídos que só ecoam em sua mente. Ignorando-os volta a se concentrar no teclado e nas imagens sobre o cristal líquido.

Seus olhos fraquejam e piscam uma, duas vezes. Na terceira fecham-se lentamente e se abrem como a sombra da lua eclipsando o Sol. Na quarta vez ele já dorme profundamente com a testa sobre o teclado e uma infinita fileira de vês correndo na tela de alguma ameaça invisível.

O toque suave de uma mão frágil em seu rosto o arranca do sonho para um estado entorpecido de consciência. Seu rosto se volta lenta e calmamente para a faxineira, mas não é a faxineira. O rosto colado ao dele é de uma moça jovem, de cabelos negros e curtos, a pele mais branca que a face da lua é seca e cola-se aos ossos como se não houvesse carne ou alma sob aquela expressão vazia e ainda assim cheia de pena dele. Os lábios dela se movem sem emitir som e um hálito ocre flui deles como uma névoa de asco carregando o fedor de terra úmida e limo revolvido.

Engolindo o grito que lhe nasce na garganta o homem se vira na cadeira tropeçando em suas próprias pernas e caindo no chão ainda com o mouse agarrado entre os dedos encrespados.

Mais uma vez ele acorda e já não é mais noite, diante dele uma sombra vai se desfazendo como se fosse uma ilusão de olhos ofuscados pela luz. O pobre homem tem a respiração ofegante e pelo silêncio percebe que ainda está totalmente só no labirinto de divisórias iluminado pelos primeiros raios da manhã. Uma brisa inexplicável percorre o corredor entrando em sua baia, soprando seu rosto com o mesmo odor que o despertou do terror noturno e sussurrando em seu ouvido “Você agora é meu”.

Horas depois dezenas de colegas de trabalho se espalham ao seu redor observando assustados os olhos arregalados e mortos, a lágrima que escorre ocasionalmente deles, a respiração lenta e o estranho sorriso esgarçado no rosto entre o pavor e a surpresa.

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