Sobre o projeto

Esse é o décimo conto do projeto #UmSábadoUmConto (Post explicando o projeto)

Durante a semana as pessoas votam em estilo, gênero, público e época. O autor (eu) só pode saber o resultado às 8h de sábado e tem até meio dia para terminar o conto.

Cada conto é escrito com um processo criativo diferente (veja no final).

O que você vê a seguir é o conto com a mínima revisão. Você pode ler sem revisão no Google Docs.

O Conto

Ele está sentado na areia da praia, os dedos entrelaçados nos dela, com os dedões eles se acariciam suavemente enquanto se encantam com o céu cada vez mais lilás, com os tons rubros que transformam o horizonte em uma pintura conforme a esfera solar desaparece. A brisa suave depois de um dia quente é acolhedora. Momentos assim poderiam durar para sempre. Ele se vira lentamente para sussurrar no ouvido dela que a ama e beijá-la com paixão como se não houvesse ontem ou amanhã e o Sol fosse parar exatamente onde está para sempre.

Antes que ele possa ver o perfil dela, no entanto, uma sombra densa os cerca, a paisagem vai perdendo as cores e os contornos, a mão dela se desfaz transformando-se em uma fumaça. É só fumaça que ele vê ao seu redor.

Então ele acorda…

Aquela praia existiu? Perdida atrás de vinte anos de histórias, de lutas profissionais diárias, crises econômicas, aqueles momentos em que a saúde abandonou um dos dois, então vieram os filhos, dois lindos bebês, um logo depois do outro, que eram lindos, mas se transformaram em adolescentes ávidos por cometer os próprios erros.

Ele estava cansado. Sozinho… Sem amigos com quem conversar, afinal cada um deles seguiu seus próprios caminhos, mudaram para outras cidades, outros países, tem seus próprios filhos, sogras, adotaram os problemas da outra família e o trabalho os deixa sem tempo até para seus próprios problemas, o que dirá dos problemas dos amigos de décadas passadas?

Então ele se levanta esfregando o rosto com as duas mãos para espantar o sono e numa esperança de apagar o sonho pois é melhor esquecer a pureza que já não temos mais do que sofrer com a memória do que não voltará, mas a imagem do sonho não se desfaz… “Não voltará…” ele quase fala em voz alta.

Na cama sua esposa se vira para o outro lado, onde fica a janela sempre aberta e de onde vem uma brisa muito parecida com aquela da praia resgatada no sonho.

Seus pés o levam até a sala onde está sua pasta de trabalho, lá dentro o tablet que só ele usa.

Ao sentar na cadeira um arrepio percorre seu corpo inteiro: a superfície dura e gelada contrasta com a cama onde ele estava até há pouco. Ele levanta e se acomoda no sofá. A luz do tablet iluminando seu rosto com uma luz esbranquiçada, fantasmagórica até, mas isso não importa pois às 3h da manhã não há ninguém para vê-lo e se assustar.

O sonho está se desvanecendo, os detalhes sumindo, ficando apenas a sensação de perder, a fumaça entre seus dedos, mas da praia do sonho ele lembra muito bem, dos momentos bons que eles tiveram na época… Nem tanto… Muito se perdeu nas brumas do tempo, mas ele anota assim mesmo no app de notas. Uma carta para ela que ele talvez nunca vá entregar: “Por que será que perdemos a leveza e a pureza daqueles tempos quando sempre íamos para a Praia Escondida? O que nos impede de voltar para aquela simplicidade?”

Por meia hora ele escreve e então o sono retorna com suas exigências. Ele dorme no meio de uma frase com o tablet sobre o peito e só acorda quando ela o chama já quase nove horas da manhã do sábado nublado.

– Oi urso! Como você veio parar aqui? – Ela sorri, seus olhos não brilham como antes, mas ela sorri e sua voz é macia e carinhosa.

– Acordei no meio da noite… Levantei para dar uma volta em casa, acabei sentando aqui e adormecendo. Não queria ficar agitado do seu lado na cama e perturbar seu sono.

Sua voz soa rouca e cansada. “Esse é o preço por carregar uma família nas costas” ele pensa.

– Vou para a academia, quer ir comigo e ficar lendo? Depois podemos tomar café juntos lá perto, o que acha, urso?

– Encontro você no final, fiquei todo quebrado de dormir aqui, vou demorar um pouco para levantar e tomar um banho… A gente não tinha combinado alguma coisa com alguém hoje?

Ele destrava o tablet e vê o que ele escreveu de madrugada. Nervosamente ele tira aquilo da tela e abre o calendário. Não tem coragem de olhar para o rosto dela para ver o olhar preocupado e triste que enevoou um pouco mais sua alegria cuidadosamente construída diariamente.

“Não faz sentido eu não ser feliz” é o que ela pensa ao ver de relance que o marido, seu urso, tinha escrito algo de madrugada que não queria lhe mostrar agora. Ah… Por que nossa imaginação é tão escrava das nossas inseguranças?

Ela acabou sacrificando suas possibilidades de ter uma vida profissional pelo casal de filhos e para estar ao lado do urso nos momentos difíceis como o mestrado que ele fez no exterior e os deixou quase sem grana por dois anos.

Princesa? Ele a chamava de princesa e agora só chama de amor ou pelo nome. Ela continua usando o “urso” na esperança dele amolecer um pouco, mas recebe um sorriso um pouco triste de volta, como se ele achasse que ela ainda era infantil. Talvez fosse… Pode ser uma estratégia para achar que não perdeu aquilo que eles tinham no começo, aquela pureza de sentimentos.

Será que casais gays são mais felizes? Ela segue para a academia pensando nos amigos gays casados também há mais de dez anos. Eles estão sempre recebendo pessoas, indo a peças, viajando… Pessoas iguais se respeitam mais? Talvez não… Ela já os viu se desentendendo também e todos os outros casais, hétero ou não, parecem mais felizes que ela e o urso… Vai ver eles pensam a mesma coisa ao olhar para ela e o urso juntos.

Ela passa de uma sala para a outra na academia e o vê na lanchonete bebendo um suco e lendo alguma coisa no tablet. Dá umas batidinhas no vidro para chamar sua atenção, uma senhora ao lado dele (ela leva a neta, nunca apareceu com o marido a filha ou o genro) avisa que ela está chamando e o sorriso e o beijo que ele lhe manda parecem sinceros para quem quer que esteja à volta. As pessoas devem invejá-los… Se eles soubessem que ela também os inveja…

“Pelo menos ela está feliz… A minha princesa”

Ele a acompanha com os olhos depois que ela se vira e vai para a sala de spinning. Fica olhando pelo vidro por um tempo como se pudesse ver através das paredes da sala adiante e acompanhar os exercícios da esposa.

Antes de voltar à leitura da revista (ele praticamente esqueceu do sonho e das suas anotações da madrugada) ele percebe o olhar de inveja de algumas pessoas ao redor. Não parece inveja, parece admiração, mas ele sabe que é inveja, que eles queriam a vida que ele parece ter, com grana, uma mulher carinhosa e saudável, ele mesmo carinhoso e saudável. Mas ele sabe que eles dois já foram muito melhores.

A vida é a viagem da descoberta. Ele leu isso em algum lugar. Não há mais nada para descobrir entre eles. Houve amantes? Bem, ele teve amantes, mas não consegue decidir se ela teve ou não. Ela descobriu sobre cada um dos casos dele e sempre foi como se uma faca tivesse sido cravada no peito dela e ele sentia a mesma dor além da culpa de ser o agente daquele sofrimento.

Fraco. Ele foi fraco… Não havia nada que descobrir em outras pessoas, a jornada era dele e da princesa, mas eles deixaram de compartilhar tudo que sentiam, tudo que pensavam, tudo que temiam.

Vinte e quatro horas por dia juntos. Contar um segredo ou dividir um medo nessas condições nos leva a reviver constantemente essas coisas e quem consegue encarar um medo, uma falha, um segredo o tempo todo, sem parar?

“Para isso serviriam os amigos: Para compartilhar algumas coisas que não podemos guardar conosco, mas que também não podemos encarar o tempo todo, mas onde achar esses amigos? Em quem podemos confiar depois dos quarenta anos?”

Ele pensa nisso enquanto finge ler a revista ao mesmo tempo que ela pensa exatamente a mesma coisa entre uma pedalada e outra, mas eles jamais saberão disso, afinal em pouco tempo esse será apenas mais um pensamento aleatório entre outros tantos que temos durante o dia e, logo depois de pensar em algo difícil, pensamos em algo fácil como comprar um novo smartphone pois o atual está tão lento que irrita… É… O que nos irrita é a lentidão do smartphone.

Observações

Para os meus critérios isso é uma crônica e não um conto. Terminei em 2h30, mas achei que tentar continuar quebraria a estrutura do texto. Ele pedia para terminar em aberto deixando por conta do leitor encontrar essas situações em sua própria vida e pensar em soluções.

Acabei ficando insatisfeito pois meu objetivo é um conto todo sábado, mas talvez esse tenha sido um dos textos mais úteis que escrevi até aqui e gostei da forma como alternei entre os personagens.

Hangout

O Processo Criativo

Isso foi escrito antes do conto/crônica, entre 8h e 9h da manhã.

A votação: tivemos um único voto para Romance, Adulto, Presente, Realista. (talvez eu devesse ser mais enfático nos meus pedidos para o pessoal votar, né?)

Gostei do “resultado” porque acho que eu vinha fazendo uns adultos muito infantis e estava esperando o pessoal pedir adulto de novo para poder melhorar isso.

Vejamos que estratégia criativa vou usar dessa vez. Lembrando que eu me comprometi no começo do projeto a usar uma para cada conto enquanto desse, mas normalmente a gente usa todas as ferramentas criativas à disposição, né?

Listei umas 13 e faltam as seguintes:

  • Estilo egocêntrico (preguiçoso): crie a história que você gostaria de viver
  • Escolher uma cena que está mesmo ocorrendo na sua frente e te chamou a atenção ou que você viu e insiste em não ser esquecida
  • estilo fanfic: escolher um personagem ou pessoa que ficaria interessante naquele contexto criando de acordo com a personalidade dele
  • Retalho de outros autores

[8h17] Chegou naquele momento difícil que as estratégias que eu tenho não combinam muito com o tipo de conto que tenho que escrever. Aliás nem é que não combine, é que eu não quero usar nenhum deles, e aí? ;-) #Comofaz?

Ok, buscando por alguma cena que eu tenha visto e esteja marcada na memória? Tem uma cena recorrente que vejo em muitos casais amigos e comigo mesmo. [8h24]

Parece haver uma “fórmula” para casais em que um é mais otimista e o outro tem uma visão mais ácida do mundo, um é mais falador o outro é mais quieto. São casais que funcionam porquê… por quê?

É um pouco difícil escrever assim pois amigos podem se reconhecer e não gostar, mas isso é parte das dificuldades de escrever.

[8h26] preciso comer alguma coisa, não deu tempo antes [8h45]

Tomei café pensando… Pensando… O universo do romance adulto moderno é vasto. Tem uma grande necessidade de espaço pessoal, menor pressão para manter o compromisso (em séculos passados era melhor um casamento ruim do que os problemas da separação). Temos o eterno fantasma de estar vivendo um relacionamento desequilibrado onde um se anula pelo outro.

O leque de coisas de um romance moderno no entanto não nos fornece tudo que precisamos para uma trama. Precisamos de um… Nós precisamos mesmo de um problema a ser resolvido? De um clímax? É bom a gente se livrar dessas amarras narrativas de vez em quando, mas talvez não seja bom fazer isso quando temos 3h para escrever o conto inteiro. Estou apenas compartilhando com vocês o brainstorm solitário que passa pela cabeça enquanto tentamos encontrar o conto.

Estou com imagens de shopping na cabeça pois esse é um espaço que eu ocupo com muita frequência. É um cenário comum para casais adultos, já formados e mais ou menos estáveis.

Até esse ponto não sei ainda se o conto será um romance bem sucedido, um que se desfaz ou até um mosaico de romances que se cruzam? Bem, não haveria tempo para esse último. Terei que me ater a uma história menor.

Vários amigos estão tendo filhos… Esse é mais um desafio para qualquer relacionamento, ainda que os casais legais sejam apenas sorrisos quando os encontramos casualmente na rua. Certamente há momentos difíceis para os dois.

Hummm… Jovens casais muitas vezes constroem relacionamentos fechados, se afastam dos amigos anteriores ao casamento e, depois de 10 ou 15 anos juntos se descobrem em uma relação desgastada pela proximidade excessiva, como duas estrelas que orbitam uma a outra trocando suas “atmosferas” de acordo com sua força gravitacional. E isso me faz lembrar de uma cena muito forte que vivi… Um conhecido, alguém de quem ninguém gostava no trabalho, me pediu para dar uma olhada no Palm dele (isso foi há muito tempo) e tinha uma nota aberta onde ele falava algo como “O que nos impede de voltar para aqueles tempos que ficávamos observando o por do sol na praia?”. Não li o resto e fechei imediatamente a nota, mas aquela linha estabeleceu um laço de empatia com o cara que todos achavam amargo e desagradável. Ele também já havia sido um jovem apaixonado por outra pessoa com quem construiu uma família, mas com o tempo a leveza foi se perdendo…

É isso! Acho que nunca escrevi sobre esse caso porque era muito recente, mas agora décadas se passaram e, apesar disso, acho que ainda é muito atual. [9h06]