O sol poente se estende criando sombras compridas nas areias da praia deserta, espalhando reflexos dourados nas folhas dos coqueiros solitários , postes de iluminação que mais tarde despejarão sua luz insuficiente nas sombras que cruzam as noites da grande cidade costeira.

Uma pilha de malas, mochilas, sacolas fazem um pequeno acidente geográfico nas areias brancas e finas e, sobre ela, senta-se Teo contemplando o vazio do mundo onde pessoas passam translúcidas, mistérios para os olhos desanimados do seu coração.

No começo da jornada Teo carregava apenas uma singela e carismática mala de viagem, um ou dois livros, os papéis que atestavam sua existência e o infinito dos desejos e sonhos para o futuro. Ali estava tudo que alguém precisava para se vestir, comer, sonhar, se curar, despertar.

Primeiro foi uma panela, uma bela panela de metal triplo, resistente, durável e que conduzia o calor homogeneamente. Teo sequer tinha um fogão, mas a panela, lhe garantiram, produziria a comida quente que aqueceria seu estômago, que andava tendo umas ondas de frio e de vazio quando Teo teve medo de perder seu primeiro emprego.

Logo, em vez de uma caneta e um bloco, as mãos nuas que sentiam a brisa, os cabelos soltos que capturavam flocos de neve ou grãos de areia que o vento carregava, a pele que se arrepiava no frio e suava no calor, os momentos ouvindo a música do mundo girando lentamente, Teo se viu precisando de diversos planners com suas canetas de várias cores, luvas, boinas (charmosas, é verdade), casacos para diversas ocasiões, muitas formas de ouvir melodias, remédios e, um dia, teve que obter até quatro paredes para onde sempre voltaria.

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As malas, sacolas, mochilas, arcas, baús foram acumulando suas coisas e Teo receava se libertar de qualquer uma das coisas que um dia tinham lhe poupado de uma dor, de uma doença, de uma perda, de um sofrimento com medo daquilo ser a única coisa capaz de manter longe as ameaças.

As lágrimas que lavavam seu rosto já não encontravam o rosto a lavar, o retumbar mais forte do coração já não encontrava eco pois os havia bagagens para todo lado impedindo o fluxo do sons, da vida.

Teo era um corpo celeste do qual só se via as bagagens no centro das quais se encolhia a frágil figura de Teo, que, no entanto, um dia havia corrido livremente por pradarias, mergulhado nas profundezas de oceanos, caminhado de mãos dadas pelas brumas ameaçadoras das intempéries vividas por viajantes que trilhavam por um tempo as mesmas estradas.

A brisa da praia Teo não sentia. As pessoas que passavam Teo não sentia. A troca do calor do dia pela brisa da noite Teo não sentia. Teo sentia as lágrimas que corriam sem chegar aos seus olhos pois havia na sua bagagem uma distração ou outro remédio que oferecia proteção a toda dor e Teo nada sentia.

Entre as ondas que se misturavam à areia e sua pilha de bagagens se intrometem silhuetas jovens que talvez carreguem muito mais anos que Teo, mas não carregam bagagens como a maioria das outras pessoas ao redor. Dançam espalhando areia e cantam animadamente, algumas cuidam da melodia, outras dos instrumentos e, enigmaticamente, a música atravessa as bagagens de Teo e invadem até mesmo seus ouvidos.

Come and feel alive, lover
Come and fell love like a sinner
Shout it louder
Shout it for the ones who could never say
Aurora – Blood In The Wine

A percussão, os brados agudos atravessam o espaço e o tempo encontrando sem dificuldade as memórias, o coração amortecido, o corpo esquecido de Teo arrepiando seus poros e finalmente trazendo lágrimas às suas bochechas.

Agora uma pilha de malas, baús, mochilas, sacolas jaz nas areias da praia sendo lentamente devolvidas ao mar, aos ventos, ao poder do Sol, às veias de asfalto da cidade que espera nas sombras enquanto Teo deixa na areia os rastros da sua dança, finalmente livre novamente…

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